ATIVISTAS DENUNCIAM “MASSACRE” EM AÇÃO POLICIAL NO RIO DE JANEIRO

0
toms9747
Número de mortos deixa população chocada
TÂMARA FREIRE – REPÓRTER DA AGÊNCIA BRASIL
Publicado em 29/10/2025 – 
Rio de Janeiro
© TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL
Versão em áudio

Ativistas que acompanharam a retirada de mais de 60 corpos de uma área de mata no Complexo do Penha, um dia após a maior operação policial realizada no Rio de Janeiro nos últimos 15 anos, classificam o evento como uma “chacina” e um “massacre” promovidos por forças de segurança. 

O empreendedor Raull Santiago, nascido no Morro do Alemão, foi um dos primeiros a noticiar o encontro dos corpos. Ele usou transmissões ao vivo pelas suas redes sociais.

“Essa é a face da cidade maravilhosa, que é capital na América Latina quando a gente pensa em turismo. E eu amo a minha cidade, o meu estado, a minha favela, mas há esses momentos em que a desigualdade grita, o poder direciona o seu ódio e traz na prática mais brutal possível o seu recado para quem vive em comunidades como a nossa”, lamentou.

Contagem

“Infelizmente, pela minha realidade, eu já estou acostumado a ver corpos, baleados, estraçalhados. Mas, [com] isso aqui, eu nunca vou me acostumar”, disse Raull Santiago sobre o choro das mães diante dos corpos de seus filhos.

 

Nessa terça-feira (28), dia da operação, 64 mortos foram confirmados, incluindo quatro policiais. No entanto, pelo menos outros 70 corpos foram retirados por moradores de áreas de mata. Seis foram localizados no Complexo do Alemão e deixados no Hospital Estadual Getúlio Vargas durante a noite, e outros 64 foram encontrados no Complexo da Penha e reunidos em uma praça da comunidade, de onde foram recolhidos posteriormente pelo Corpo de Bombeiros. 

Se não houver duplicidade nos números e se todos os corpos encontrados realmente tiverem sido vítimas da operação, o número de mortos pode passar de 130. 

“Tanto essas execuções, quanto os policiais que morreram, tudo isso [são] marcos históricos que gritam a ineficiência da política de segurança pública do Rio de Janeiro. Ou, pior que isso, a eficiência dela, a forma como ela é desenhada, estruturada, pensada e aplicada para lidar com algumas vidas”, afirmou Santiago.

“Da favela para dentro, tiro, porrada, bomba, invasão, desrespeito, chacina, massacre. Em outros endereços, o tratamento é quase vip”, criticou. 

Responsabilização
 

Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 - Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz. Foto: antoniocarloscosta/Instagram
Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, pediu a responsabilização do governador Cláudio Castro pela tragédia. Foto: antoniocarloscosta/Instagram

O presidente da organização não governamental Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, também acompanhou a retirada dos corpos nesta manhã e pediu responsabilização do governador do estado, Cláudio Castro, pela tragédia. Ele lembrou, entretanto, que esse episódio se assemelha a muitos outros já ocorridos no estado. 

“O que há de novo nesse massacre? Apenas a sua extensão, a quantidade de mortos… O que não há de novo é essa política de segurança pública, a destruição da vida do morador de comunidade. Quando ouvimos as respostas sobre a operação, ouvimos o que foi falado há 40, 50 anos atrás”, lamentou.

“As causas desse gravíssimo problema social já foram elucidadas, mas por que medidas tão óbvias não são implementadas? Porque falta vontade política. Porque quem morre são os moradores de comunidades e porque são eleitos homens que conseguem chegar aos mais altos postos com o discurso do “bandido bom é bandido morto”, completou o presidente da ONG Rio de Paz. 

O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, tem defendido a megaoperação. Segundo ele, a ação foi planejada ao longo de seis meses, como resultado de mais de um ano de investigações, contou com o aval do Poder Judiciário e foi acompanhada pelo Ministério Público do estado. 

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil criticaram a ação que gerou um grande impacto na capital fluminense e não atingiu o objetivo de conter o crime organizado. Para a professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jacqueline Muniz, a operação foi amadora e uma “lambança político-operacional”.

 

Rio de Janeiro (RJ), 29/10/2025 - Dezenas de corpos são trazidos por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro. Operação Contenção.
Foto: Tomaz Silva /Agência Brasil
Dezenas de corpos foram levados por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Federação das favelas

Movimentos populares e de favelas também condenaram as ações policiais e afirmaram que “segurança não se faz com sangue”.  A Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj) divulgou nesta quarta-feira (29) uma carta pública de repúdio contra o que foi chamado de “massacre dos Complexos da Penha e do Alemão”. 

“Os relatos de horror que emergiram dessas comunidades – com cenas de guerra, execuções sumárias, violação de domicílios, impedimento de socorro a feridos e a total suspensão dos direitos mais básicos – não são incidentes isolados. São a face mais crua de uma política de segurança pública falida e genocida, que há décadas trata as favelas e seus moradores como territórios inimigos e cidadãos de segunda categoria”, diz o documento. 

A Faferj também manifestou indignação por acreditar que a vida dos moradores das favelas está sendo tratada como “dano colateral em operações que, sob o pretexto de combater o crime, semeiam terror, luto e trauma coletivo.” Diz assim que a política de segurança atual apenas “aprofundou o abismo social, naturalizou a violência de Estado e perpetuou um ciclo de morte que só interessa ao projeto de extermínio da população pobre e negra deste país.”

Além das palavras de repúdio, o documento traz também reivindicações da organização, como a “desmilitarização das abordagens policiais nas favelas” e a construção de uma nova política de segurança pública pautada pelo cuidado e pela garantia de direitos. 

Para a Federação, um “sistema que funcione” precisa contemplar também políticas de educação, com escolas em tempo integral, lazer, com a criação e manutenção de espaços de convivência e cultura. A Faferj reivindica ainda medidas de emprego e renda, como capacitação e criação de vagas formais, e de habitação, como saneamento básico, urbanização e regularização fundiária.

“Segurança se faz com presença do Estado, não com invasão. Com políticas sociais, não com políticas de morte. Com vida digna, não com luto permanente”, conclui o documento.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.