‘CORPOS ABANDONADOS”: ATIVISTAS DEFENDEM SUSPENSÃO DE INQUÉRITO DETERMINADO CONTRA MORADORES DO RIO PELO STF

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OPERAÇÃO CONTENÇÃO

Moraes ‘humanizou essas famílias’, elogiou advogada; ministro dá 48 horas para Polícia Civil explicar investigação

Em uma decisão que marca uma vitória para organizações de direitos humanos, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda-feira (10) a suspensão imediata do inquérito que apurava suposta fraude processual e vilipêndio de cadáver, após a chacina nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro (RJ), que deixou 121 mortos no dia 28 de outubro. Para ativistas, a decisão indica um movimento de segurança aos moradores das comunidades.

 A investigação, aberta pela 22ª Delegacia de Polícia (DP da Penha), mirava moradores e familiares acusados de remover os corpos de uma área de mata conhecida como Vacaria, na Penha, no último dia 29 de outubro, um dia após a megaoperação policial que terminou em massacre nas duas comunidades. A Polícia Civil do Rio de Janeiro recebeu 48 horas para prestar esclarecimentos sobre a abertura do procedimento.

A investigação inicial foi instaurada após a retirada de mais de 70 corpos por moradores, que os transportaram para a Praça São Lucas, uma das principais da região. Na ocasião, o Secretário de Polícia Civil, Felipe Curi, criticou a suposta remoção das roupas camufladas dos mortos à imprensa e afirmou que a 22ª DP apuraria fraude processual e vilipêndio de cadáver, citando imagens de “pessoas retirando criminosos da mata e os colocando em vias públicas, despindo-os”.

Já o secretário de Segurança Pública, Victor Santos, disse em coletiva de imprensa que não houve como auxiliar na retirada dos corpos que foram achados pelos moradores, pois as autoridades não sabiam da presença dos corpos na mata.

A chamada Operação Contenção deixou 121 pessoas mortas, sendo a mais letal do país. A remoção irregular de corpos, ausência de socorro médico e execuções sumárias foram denunciadas por moradores à Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ).

Desespero e abandono estatal

O ativista de direitos humanos João Luís Silva, da organização Rio de Paz e coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), classificou a situação como de “completo horror”. Para ele, que presenciou a retirada de corpos pelas famílias, o cenário era de “devastação total e de muita desumanidade”.

Segundo Silva, a alegação policial sobre a retirada das roupas “não tem o menor cabimento” e cabe a polícia dizer se havia algum suspeito no meio dessas pessoas. “Não é a roupa que a pessoa está vestindo ou não, que vai caracterizá-la como sendo do crime”. 

O ativista argumentou que a remoção das vestimentas foi uma tentativa de aliviar o peso dos corpos, que estavam ensanguentados e haviam passado a noite na mata, tornando-os “ainda mais pesados” para os moradores já desgastados.

Marcela Cardoso, responsável pela frente de incidência política do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça da Redes da Maré, detalhou o descaso institucional. Ela informou que a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros se recusaram a retirar os corpos sob a justificativa de que haveria perícia, mesmo após o próprio Estado do Rio de Janeiro ter informado ao STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a chamada ADPF das Favelas, que o “território estava instável e que não tinha como fazer a perícia”.

“As famílias só fizeram a retirada dos corpos, porque não havia nenhuma outra alternativa”, afirmou Cardoso. “Esses corpos iam ficar abandonados naquele naquele espaço ad eterno e as famílias alijadas do direito de dar para os seus familiares um sepultamento digno.”

Conquista dos Movimentos Sociais

A suspensão do inquérito pelo STF foi recebida como uma vitória pelos movimentos. Fabiana Silva, ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado do RJ, destacou que a decisão é “uma conquista dos movimentos sociais” que se manifestaram no âmbito da ADPF 635”.

“Não houve crime por parte dessas famílias e, sim, desespero de encontrar os seus vivos. Infelizmente muitos desceram com corpos. Não podemos criminalizar famílias que estão passando por um processo de luto e dor,” disse Silva, ressaltando que as famílias agiram após os corpos terem sido abandonados pelos agentes de segurança.

Fransérgio Goulart, diretor executivo da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJRacial), reforçou a articulação das entidades. “A suspensão do inquérito aberto de fraude processual contra familiares e moradores é o resultado de uma incidência da coalizão de organizações da APDF 635, as organizações que são amicus curi da ADPF.”

A decisão do ministro Moraes, de trancar a investigação, foi considerada pela representante da Redes da Maré como “a melhor postura do ministro em respeito e humanização dessas famílias que foram violentadas”, reconhecendo que os moradores atuaram para garantir a dignidade mínima em um contexto de ausência e contradição estatal.

O Brasil de Fato questionou a Polícia Civil e a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro sobre por que os corpos não foram retirados, assim como o motivo de as imagens das câmeras dos policiais ainda não terem sido encaminhadas ao STF. Até o fechamento e publicação desta reportagem, não havia retorno. O espaço segue aberto à manifestação.

 

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