NOVO OBSERVATÓRIO RECEBERÁ DENÚNCIAS SOBRE VIOLAÇÕES COMETIDAS NO SISTEMA DE JUSTIÇA
Ideia é que ABJD acompanhe casos com vistas a promover uma maior democratização das instituições jurídicas
Uma iniciativa capitaneada pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) lançou, nesta sexta-feira (24), em Brasília (DF), o Observatório Justiça e Democracia (OJD), que pretende colocar à disposição de organizações sociais e populares um canal de denúncias sobre violações de direito praticadas no âmbito do sistema de Justiça, rede que engloba todos os órgãos do Poder Judiciário, magistrados, promotores e procuradores, defensores públicos, advogados e outros operadores do direito. O objetivo da ferramenta é fortalecer o controle social sobre o sistema, bem como as políticas de segurança pública e drogas.
A advogada popular Verônica Salustiano, integrante da ABJD, afirma que, com isso, os juristas esperam fortalecer a democracia no sistema. A rede é alvo de diferentes críticas por conta de posturas que fogem à garantia de direitos, desconsiderando a necessidade de democratização de procedimentos, acesso igualitário a serviços por parte de grupos mais vulneráveis, entre outras condutas ainda não superadas.
A advogada observa que, além da existência de um déficit histórico de desenvolvimento democrático nas instituições brasileiras, o país acumulou novos prejuízos nos últimos tempos, em virtude do processo de avanço conservador iniciado no contexto que levou à deposição da presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016.
“Todo o processo de democratização que a sociedade brasileira vem tentando fazer – e que nesse último período, principalmente depois do golpe, a gente viu que sofre retrocessos – também ocorre dentro do Judiciário, das polícias, do Ministério Público. O observatório é para que a gente possa receber denúncias que se relacionem com comportamentos que não auxiliam o processo de aprofundamento da democracia e fazem o contrário, diminuindo as margens do Estado de direito dentro do sistema de Justiça.”
“Dependendo da denúncia, nós vamos atuar com uma incidência cabível dentro do escopo do observatório. Por exemplo, se tivermos uma denúncia de lawfare [perseguição de ordem político-jurídica], iremos atuar nos órgãos de controle que combatem esse tipo de prática, iremos pensar medidas que se relacionem com processos legislativos pra gente fazer propostas adequadas para aquela alteração. Vamos receber as denúncias e observar o que pode ser feito em termos de aprofundamento de processos democráticos.”
Para o Ministério dos Direitos Humanos, a ferramenta irá contribuir para o fortalecimento das instituições. “O sistema de Justiça não é neutro, por isso ele não é e não pode ficar isolado de uma participação social, não pode ficar distante da democracia e do povo. Ele precisa de um olhar externo da sociedade para que se garantam os direitos e a cidadania como um todo. Sem isso, a gente tem um sistema incompleto, limitado com relação às suas finalidades”, disse o consultor jurídico da pasta, Gustavo Pedrola.
Sociedade civil
Presentes no lançamento do observatório, diferentes organizações populares consideram que a iniciativa tende a trazer ganhos de ordem coletiva. “A gente tem uma democracia que ainda vem sendo constantemente atacada. Vivemos um momento em que a democracia e o conceito de justiça ainda estão em disputa. Então, essa disputa precisa ser feita pelo campo progressista em caráter de unidade política e iniciativas como essa”, comenta Rud Rafael, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST).
Com 40 anos de estrada e alvo constante de grupos mais conservadores no sistema de Justiça, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra também avaliou positivamente a criação do observatório. “É uma ferramenta extremamente importante pra gente entender as violações nesses espaços, principalmente para a gente como movimento social poder usar [a plataforma] para levar as violações que sofre, e também pra fortalecer a democracia,” afirma a advogada popular Iara Sanches, integrante do Setor de Direitos Humanos da entidade.
Wilma dos Reis, militante da Marcha Mundial de Mulheres, destaca que o segmento enfrenta diversos problemas no âmbito do sistema de Justiça e vê a nova plataforma como espaço de busca por uma qualificação das instituições no trato com as mulheres e seus direitos.
“Sem dúvida, será muito importante para todas nós por conta das violências que sofremos. Já tivemos uma militante que foi denunciar uma violência sofrida, por exemplo, e terminou ilegalmente algemada num balcão de delegacia. E, muitas vezes, somos desencorajadas a fazermos denúncias em outros espaços. O observatório será importante para denunciarmos esse tipo de coisa”, ressalta.
A Rede Lawfare Nunca Mais pontua que o Brasil virou uma rota conhecida no mapa mundial dos casos de perseguição política na esfera do Judiciário, o que exige medidas de contrapeso capazes de frear os danos democráticos. “Há casos recentes também na Espanha, em Portugal, Colômbia, Chile, Venezuela, Equador, Argentina, Paraguai, Bolívia. Na América Latina, isso ocorreu nos últimos tempos em 13 países. Sem dúvida, o Brasil é um caso emblemático porque aqui foi o primeiro laboratório, há mais de 20 anos. Daí em diante vieram muitas coisas, como a Ação Penal 470 [caso conhecido como “mensalão”], etc. Nesse sentido, o observatório nos traz a esperança de podermos contar com esse canal para a denúncia de casos de perseguição.”
Plataforma
O canal de recebimento de denúncias por parte do Observatório Justiça e Democracia (OJD) está disponível no link https://www.abjd.org.br/canal-denuncia .
Edição: Matheus Alves de Almeida