‘ANCESTRALIZANDO O FUTURO’: QUILOMBOLAS COBRAM TITULAÇÃO DE TERRAS DURANTE SEGUNDA EDIÇÃO DO AQUILOMBAR, NO DF
Evento reuniu representantes e ministros do governo; documentação é necessária para construção de políticas públicas
A 2ª edição do Aquilombar foi realizada, nesta quinta-feira (16), na Funarte, em Brasília, com o lema “Ancestralizando o futuro”. Ao reunir ministros e representantes do governo Lula, lideranças quilombolas cobraram o processo de titulação dos territórios das comunidades rurais.
“Território titulado, liberdade conquistada. Nós estamos em busca da nossa liberdade”, disse Maria Rosalina, coordenadora executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). O Brasil tem mais de 1,3 milhão de quilombolas, porém, quase 90% estão sem a documentação, segundo Censo 2022.
O encontro fez parte da programação da II Jornada de Lutas dos Quilombolas no Brasil, organizada pela Conaq. O Aquilombar teve como um dos objetivos explorar as conexões entre o passado, presente e futuro, destacando a importância das raízes culturais na construção de um amanhã mais inclusivo e sustentável.
“Essa pauta precisa avançar para que se possa efetivar políticas públicas que nos garantam qualidade e igualdade de vida”, defende Rosalina. “Não há desenvolvimento no país sem o envolvimento quilombola, porque o Brasil é quilombola.”
Na mesa de abertura do evento, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, destacou a importância da legalização de todos os quilombos do país, uma vez que é um direito do cidadão afrobrasileiro. “Precisamos mudar essa realidade. Chega desse tipo de distrato com os direitos dos povos quilombolas”, afirmou. “O Brasil tem, em sua raiz, a cultura, o sangue negro e indígena.”
Com a primeira edição em 2022, o Aquilombar é o maior evento quilombola do país. Para o também coordenador da Conaq Denildo Rodrigues, mais conhecido como Biko, o Aquilombar e a Conaq são uma “continuidade do nosso povo preto e quilombola que resistiu ao processo de escravidão”. Biko também afirmou que a defesa do território é o que garante o primeiro passo à liberdade e, com isso, se faz necessário a titulação fundiária.
“Nós somos a fronteira que impede o agronegócio de acabar com o campo brasileiro. E, mesmo assim, somos considerados os invisíveis dos biomas, mesmo nós estando em todos, no Cerrado, na Caatinga, na Amazônia, na Mata Atlântica. As comunidades quilombolas são as fronteiras da destruição dessa biodiversidade“, lembrou o coordenador.
Segundo a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco (PT), só é possível acordar e dar continuidades às missões do ministério, porque ela sabe “o que é estar do outro lado”. A ministra ainda lembrou dos quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que desde o começo da gestão, havia estrangulado o processo de titulação de terras quilombolas.
“Medo nós tem, mas não usa”, disse Anielle citando Margarida Alves, símbolo da luta sindical no Brasil. “Viemos com medo mesmo, mas com a certeza de uma missão: todos os quilombolas titulados. Eu não acredito em uma missão solitária. Nós somos o começo, o meio e o começo. Nossa luta não tem fim. A ancestralidade resiste”, afirmou.
Na ocasião, Paulo Teixeira (PT), ministro do Desenvolvimento Agrário, afirmou que as entregas dos títulos e dos decretos vão ser feitas pela mão do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Teixeira também fez um balanço dos programas sociais do governo federal, como aquisição de alimentos, com R$ 1 bilhão de investimento, e o Terra da Gente.
“No Brasil, fizemos reforma agrária para os italianos, japoneses, alemães, portugueses e espanhóis. Mas, toda vez que o presidente fala de fazer reforma agrária para o povo africano, o governo é derrubado”, disse.
Incra
Durante gestão de Bolsonaro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) teve suas atividades paralisadas por falta de recursos. A entidade responsável por executar, principalmente, a reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário nacional também foi cobrada pelas lideranças e representações quilombolas.
De acordo com João Jorge Rodrigues, presidente da Fundação Cultural Palmares, é necessário que o Incra acelere as certificações das comunidades quilombolas. Rodrigues ainda lembrou das vidas de lideranças quilombolas perdidas, como Bispo e Mãe Bernadete, que morreram na luta pelo reconhecimento das comunidades.
Já o presidente do Incra, César Aldrighi, afirmou que, atualmente, foram entregues portarias que somam mais de 35 mil hectares. “Estamos cumprindo com nosso papel de ser um dos espaços de reparação social com o povo quilombola”, afirmou Aldrighi. “O Incra está orientando para que a política quilombola seja feita com vocês. Não vamos nos furtar de ser um espaço de reparação com o povo negro e quilombola desse país.”
Também esteve presente na mesa o chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo (PT). Durante a fala, o representante informou sobre os esforços de Lula no Rio Grande do Sul, estado que vem sofrendo com tragédia climática. Macêdo também reforçou o debate sobre reparação histórica e afirmou que “o Aquilombar é um exemplo da retomada do Brasil de verdade”.
Ato político
Do Eixo Cultural Ibero-americano à Esplanada dos Ministérios, o Aquilombar marchou em prol de direitos dos povos quilombolas. Foram três quilômetros percorridos com manifestantes entoando canções tradicionais da comunidade e que reforçavam a força da população negra.
Na ocasião, o ator e ativista Ícaro Silva também esteve presente. Para ele, existe ainda um jogo de latifundiários e do agronegócio que não permite com que a população quilombola acesse os direitos plenos. “Continuo dizendo hoje: nenhum quilombo a menos.”
Fonte: BdF Distrito Federal
Edição: Márcia Silva