NA SUA “CÚPULA DA DEMOCRACIA”, EUA ARTICULAM ALIADOS EM MOVIMENTO CONTRA A CHINA

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President Biden Departs For Missouri

WASHINGTON, DC - DECEMBER 08: U.S. President Joe Biden stops to talk to reporters before departing the White House December 08, 2021 in Washington, DC. According to the White House, Biden is traveling to Kansas City, Missouri, to talk about how the Bipartisan Infrastructure Law will aid in the repair and construction of roads and bridges, update public transit, create jobs and other benefits. Chip Somodevilla/Getty Images/AFP (Photo by CHIP SOMODEVILLA / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)

GUERRA FRIA?

Pesquisadores afirmam que evento organizado por Biden tem como objetivo isolar Rússia e China

Thales Schmidt
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

 

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Biden busca reunir seus aliados na disputa contra a China – Somodevilla / Getty Images via AFP

Os Estados Unidos, com evento batizado como “Cúpula da Democracia” a ocorrer nos dias 9 e 10 de dezembro, afirmam promover uma festa da democracia. De acordo com os EUA, o objetivo é discutir com membros de governos, sociedade civil e iniciativa privada três “temas chave”: a defesa contra o autoritarismo, o enfrentamento e combate à corrupção e a promoção do respeito aos direitos humanos. Em 2022, o objetivo é realizar a mesma reunião, mas dessa vez de maneira presencial.

A controvérsia ocorre porque apenas a Casa Branca decide quem entra e quem fica do lado de fora da comemoração. Barrada no baile, a China não gostou de ficar de fora e publicou documento com críticas ao sistema político estadunidense.

Foram convidados 110 países para a Cúpula e a lista incluí países com histórico de assassinato de lideranças sociais, como Colômbia, Brasil e Israel, e outras nações cujo histórico político recente é controverso. As Filipinas, governadas por Rodrigo Duterte, foram convidadas. A Organização das Nações Unidas (ONU) já pediu a Duterte o fim dos assassinatos extrajudiciais cometidos por seu governo sob a justificativa de uma “guerra às drogas”. 

Além de não incluir a China, a Casa Branca convidou Taiwan, ilha que afirma ser um país independente, mas Pequim considera parte de seu território. A soberania desse território é um ponto de fricção na política internacional. Os Estados Unidos vendem material bélico para a ilha e os chineses costumam sobrevoar a região com aviões militares. 

Outro incidente recente também colaborou com o aumento da tensão entre os dois países: os EUA informaram que irão realizar um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022. 

Pequim reagiu. O Conselho de Estado da China publicou o documento “China: Democracia que funciona”. O texto destaca que os chineses desfrutam de “liberdade de expressão, de imprensa, reunião, associação, processão, demonstração e crença religiosa”, e que os direitos humanos são “totalmente respeitados e protegidos” no país. 

O documento afirma que o modelo político da China “evita a fragilidade dos sistemas partidários de estilo ocidental” e que Pequim não seguiu o “caminho estabelecido” do Ocidente e de seu modelo de democracia. 

A Rússia também não foi convidada para a Cúpula e seu embaixador nos EUA, Anatoly Antonov, publicou artigo com o embaixador chinês, Qin Gang, com críticas ao evento promovido por Biden. Na revista The National Interest, a dupla diz que o evento dos EUA é um “evidente produto de sua mentalidade de Guerra Fria”. O texto destaca que a promoção da “democracia” está ligada com guerras e conflitos ao redor do mundo e cita os bombardeios na antiga Iugoslávia, intervenções no Iraque, Afeganistão e Líbia. 

“Nenhum país tem o direito de julgar o vasto e variado cenário político mundial por um único critério, e fazer com que outros países copiem seu sistema político por meio de uma revolução colorida, mudança de regime e até mesmo o uso da força”, diz o texto dos diplomatas na National Interest


Em celebração do centenário do Partido Comunista, Presidente Xi Jinping faz discurso destacando o desenvolvimento do socialismo / Noel Celis / AFP

Para o professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Paulo Velasco, a Cúpula da Democracia aposta em uma visão “anacrônica e pouco funcional” da diplomacia já que divide o mundo entre “amigos e inimigos” em uma época em que as grandes questões da política internacional, como a emergência climática, precisam de uma abordagem multilateral. O pesquisador questiona o mote do evento.

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“A bandeira da democracia sempre foi usada de maneira muito ‘a la carte’ pelos EUA. Sempre de maneira muito pontual, quando interessa, para atender a determinadas finalidades políticas. Tem sido assim pelo menos desde o pós-Segunda Guerra Mundial (1945), quando tivemos uma ordem mundial mais americana, com a democracia sempre utilizada como instrumento, uma desculpa, inclusive para patrocinar intervenções e atos muitíssimos abjetos ao longo da história”, diz Velasco ao Brasil de Fato. 

Presenças e ausências

O professor da UERJ diz que o objetivo do evento é “dificultar o avanço da China” e destaca algumas particularidades da lista de convidados elaborada pela Casa Branca: a presença do Paquistão, “um aliado chinês no contexto da Ásia”, e também o convite feito à Índia. Embora Narendra Modi, o primeiro-ministro indiano, não possa ser considerado o mais democrático dos líderes, a Índia é um importante parceiro na hora de enfrentar Pequim.

Membro do Instituto Confúcio e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos, Marcos Cordeiro avalia que a Cúpula da Democracia tem como objetivo “criar constrangimento para seus dois adversários estratégicos, no caso o governo da China e o governo da Rússia”.

Cordeiro destaca que há muito da disputa nacional local dos Estados Unidos no evento organizado por Biden já que o presidente democrata busca se diferenciar do republicano Donald Trump. Todavia, o pesquisador destaca que os democratas não podem aparentar serem “cúmplices” de Pequim por conta do sentimento anti-China que avança nos Estados Unidos.

De acordo com pesquisa do Pew Research Center, apenas 20% da população dos Estados Unidos tem uma visão favorável à China. A desconfiança com os chineses, contudo, não é uma exclusividade dos estadunidenses. A mesma pesquisa foi realizada em 17 países e em apenas dois deles, Grécia e Singapura, a visão favorável da China supera a visão desfavorável. Entre as 17 nações pesquisadas, a mediana de visão favorável dos EUA é de 61%, enquanto a mediana de visão favorável da China é de 27%.

Cordeiro, que também é professor da Unesp, diz que embora Pequim e Washington tenham trocado farpas e declarações fortes, suas economias são mutuamente dependentes e um cenário similar ao da Guerra Fria não deverá se repetir.

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“Diferentemente da União Soviética, que estava apartada da economia mundial, a China é hoje o principal parceiro comercial da maior parte dos países do mundo, mesmo para muitos países da América do Sul. Ela também é o maior parceiro comercial dos Estados Unidos. Desde 2019, quando se intensifica essa disputa ideológica, quando começam a constranger a China, inclusive com mentiras, o comércio bilateral entre os dois países só tem aumentado”, destaca o pesquisador ao Brasil de Fato.

Edição: Arturo Hartmann

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