FILÓSOFO LUIZ DE OLIVEIRA CARVALHO: MAMAZÔNIA: DO INFERNO VERDE AO DESERTO VERMELHO

Luiz de Oliveira Carvalho1
Em nosso tempo, a Amazônia representa no palco do planeta Terra
uma das últimas epopeias naturais. Dentre os ecossistemas disponíveis, o
verde reverberante da floresta latifoliada, o universo imenso das águas doces e
a deslumbrante diversidade biológica constituem os quadros estéticos que
compõem essa grande peça escrita no livro aberto da natureza.
Todavia, toda a beleza refletida pelo espelho dessa obra de arte da
Criação não mostra explicitamente a dramaticidade que envolve per se o papel
dos protagonistas dessa epopeia amazônica e o seu destino no âmago desse
universo.
A amostra de vídeos, filmes e documentários intitulada “AMAZÔNIA:
CIDADANIA VIOLENTADA ” tem o propósito de tornar público – através de um
ciclo de atividades que compõem o projeto – todas as implicações que
envolvem essa dramaticidade dos agentes que atuam sobre ela.
Para mim, coube-me a tarefa de analisar os conceitos, os processos e
as estruturas que encobrem esse drama que recai sobre a Amazônia e seu
ambiente. Com efeito, o filme “MAMAZÔNIA: A ÚLTIMA FLORESTA” reflete os
tópicos que analiso e discuto neste artigo.
Primeiramente, todo o filme reflete o plano de fundo temático que
constitui o título em epígrafe. Quando falamos de dramaticidade das condições
biológicas, sociais e ambientais da Amazônia, referimo-nos à centralidade dos
processos de devastação do meio-ambiente amazônico e do extermínio de
espécies em meio à diversidade biológica que caracteriza esse ecossistema,
considerado a última flor do planeta Terra, ainda relativamente preservado.
1
O autor é escritor e filósofo. É mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia. Publicou o livro intitulado
“Amazônia: Espectros de Globalização”, Manaus, EDUA, 2009.
Tudo isso sem falar dos efeitos perversos que esses processos
provocam nos hábitos e costumes das comunidades locais, na qualidade de
vida das populações que migraram para a Amazônia em busca de trabalho e
de melhores condições de vida e na sobrevivência das tribos isoladas.
O título deste artigo e seu tema se inspiram em obra, cujo título é
similar, de autoria do amazonólogo ROBERT GOODLAND. O livro, assim como
o filme, retratam o processo dramático de transformação da Amazônia –
considerada por Alexander von Humboldt como sendo o Inferno Verde – com
todas as suas singularidades ecossistêmicas em um Deserto Vermelho –
conforme denunciou ROBERT GOODLAND.
Quando Humboldt divulgou na Alemanha e, por expansão, em toda a
Europa o seu relato de viagem na Amazônia, o frisson foi imediato. No conjunto
do retrato feito por ele da Amazônia e seu ambiente a ideia que prevaleceu foi
aquela do “inferno verde”. No âmbito semântico dessa expressão foi enfatizado
o sentido de que as condições de vida nesse ecossistema eram inóspitas.
O argumento que envasou essa ideia pautara-se nas teses de que o
clima era adverso ao bem estar das pessoas, a arquitetura confortável era
incompatível com as condições físicas e ambientais do ecossistema, a
necessidade de locomoção de indivíduos e grupos estava prejudicada pelos
meios de transporte disponíveis e alimentação era escassa e restrita.
Ora, todo esse argumento se pautava em um princípio de comparação
que tomava as condições de vida na Europa como sendo o padrão de
referência. Nesse viés, não há duvida de que a expressão faz sentido. Todavia,
o próprio processo histórico se encarregou, de resto, de fazer a correção.
Com efeito, em nossos dias, o futuro da Amazônia e seu ambiente
apontam para a criação de uma civilização tropical. Então, os princípios, as
diretrizes e os valores a engendrar essa futura civilização tropical requer sejam
discutidas outras ordens de razão, sejam implementados outros processos
civilizatórios e sejam estabelecidas outras bases econômicas, sociais, políticas
e ambientais.
Por conseguinte, embora a expressão de von Humboldt ainda não
tenha caído totalmente em desuso, tornou-se desejável que ela seja superada
pelo esforço que cada um deve fazer efetivamente para que ela seja
substituída por outra mais construtiva e propositiva.
Por mais dramático que pareça o desafio a ser superado ante o
significado da expressão “inferno verde”, mais dramático, ainda, mostram-se os
processos que avassalam, em nosso tempo, as condições sociais e ambientais
da Amazônia e seu ambiente.
Nessa perspectiva que encobre o futuro dos povos amazônicos, uma
das análises mais consistentes sobre a tragédia que pode vitimar toda a vida
nesse ecossistema foi feita por ROBERT GOODLAND, em seu livro “Do Inferno
Verde ao Deserto Vermelho”.
A ideia central desenvolvida por ele é a de que – a continuar vigente
esse processo de devastação da Amazônia – todo o sistema de cobertura
verde se transformará em um cenário devastado em que o processo de
desertificação do solo se imporá tornando todo o ecossistema em um enorme
deserto. Sem vida. Sem gente. Sem alma.
O filme “MAMAZÔNIA: A ÚLTIMA FLORESTA” retrata esse processo
mostrando os agentes desse processo de devastação, os interesses que
movem esses agentes, as ferramentas que produzem essa devastação e os
efeitos perversos decorrentes dessas ações.
Nesse sentido, não é segredo que a alavanca que tem acionado todo
esse processo é a aplicação de grandes capitais internacionais visando a
acumulação fácil e a expansão rápida dos investimentos feitos. Não obstante,
nada haveria a ser comentado não fosse uma inadequação constatável da
variável tempo em função dos fins a ser alcançados pela aplicação de grandes
capitais. Em outras palavras, o volume de lucro projetado pelos investimentos
não é, seguramente, compatível com o delta de tempo utilizado.
Como consequência, o lucro projetado somente acaba sendo
conseguido parcialmente e, de resto, o ecossistema sofre, então, os efeitos
devastadores dos processos e sobram plenos os desastres ambientais
resultantes dessas práticas.
Considere-se, ainda, que, nesse contexto, tudo ocorre com o aval do
poder público. Então, quando esses grandes projetos para a Amazônia não dão
certo, aí, o avalista público se encarrega, frequentemente, de minimizar a perda
de lucros previstos pelos investidores. Exemplo padrão desse tipo de negócio
que os mega empresários fazem com o Estado brasileiro é o do Projeto Jari.
Quando o empresário europeu alegou que o projeto não tinha mais a
perspectiva projetada por ele, incontinente, o Governo Militar angariou os
recursos oriundos do caixa da Previdência Social e cuidou de amortizar os
prejuízos alegados por ele. De lá pra cá, não mudou muita coisa. A não ser
pequenos detalhes. Que frente à grandeza da Amazônia e sua complexidade
não indicam nenhum significado expressivo.
Outro fator preponderante nesse contexto de devastação da Amazônia
é o papel que os agentes desses processos desempenham. Nesse sentido,
desempenham papel decisivo os trabalhadores de todo o País que são
contratados para atuar nos grandes projetos de exploração da Amazônia.
Esses trabalhadores vêm para Amazônia, cheios de boas intenções.
Mas convenhamos. De boas intenções, o inferno está cheio. Não obstante,
quando eles são alocados nos canteiros de obras, os problemas começam a
aparecer. Passam a morar em locais insalubres. Alimentam-se sem controle
nutricional. Sofrem, enfim, as doenças tropicais próprias da Amazônia.
Além de tudo isso, eles acabam se tornando vítimas das transgressões
das relações trabalhistas por parte dos patrões. Então, eles caem no
desespero e acabam voltando para os seus locais de origem.
Outra personagem que compõe esse cenário amazônico é aquela
desempenhada pelos ribeirinhos e pelas comunidades locais. Em geral, essas
personagens não têm papel exercido diretamente no processo de devastação
da Amazônia. De fato, eles constituem populações acostumadas a conviver
com as condições ambientais que a Amazônia oferece aos seus usuários.
Por conseguinte, eles são, ao fim e ao cabo, um dos grupos que vivem
na Amazônia que são afetados pelas consequências dos processos de
devastação implementados contra o ecossistema.
Por fim, devem-se considerar o papel exercido pelas comunidades
indígenas da Amazônia. Tradicionalmente, as tribos indígenas convivem em
regime de quase-simbiose com a natureza amazônica. A rigor o modus vivendi
da maioria dos povos indígenas da Amazônia configura um anteparo
protecionista ao ecossistema amazônico.
De toda a forma, os conflitos causados às comunidades indígenas são
reais. Além dos conflitos diretos entre os trabalhadores e os índios que
resultam em morte de ambas as partes, ocorre, ainda, a transmissão de
doenças contagiosas pelos trabalhadores aos índios.
Moral da estória. Dentre os diversos atores que atuam nesse processo
de devastação da Amazônia, somente os detentores do grande capital
investido se dão bem. Ademais, os trabalhadores, as comunidades locais e as
tribos indígenas, todos, saem perdendo. De sorte que a natureza – apesar dos
revê – é capaz de se recuperar. O grande risco que paira, todavia, sobre todos
é o dos desastres ambientais que podem resultar desse processo selvagem
que não condiz com os propósitos civilizatórios que se requerem para a
Amazônia.
O filme “MAMAZÔNIA: A ÚLTIMA FLORESTA” representa o retrato fiel
desse cenário. Que toda essa análise sirva para a reflexão.
ATENCIOSAMENTE
LUIZ CARVALHO
“UM CABOCLO RESISTENTE QUE NUM PERDE JAMAIS A TERNURA PELA
AMAZÔNIA.”