CONSIDERAÇÕES LITERÁRIAS SOBRE O LIVRO DO FILÓSOFO VICTOR LEANDRO, O ARTISTA DO FRACASSO

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O filósofo Sartre afirma, em sua obra O Que É a Literatura, que toda pessoa alfabetizada é uma escritora. Saber escrever o seu próprio nome, já é entrar na ordem do mundo das letras, visto que escrever é colocar no mundo um mundo pessoal. Quem escreve seu nome não somente escreve, mas se inscreve no mundo como um ser que pode se olhar fora pela escrita. O escrever é o testemunho do observar.
Todavia, escrever só sua arqueologia, não é uma forma de atuar no mundo como sujeito-histórico de transformação. Para se tornar um escritor é necessário não só interpretar o mundo, mas também transformá-lo, como pretende Marx sobre o papel do filósofo. E só uma consciência engajada conhecedora do mundo burguês com suas leis e valores dominantes de classe pode ser tomada como escritora. Por tal, não existe escritor-burguês, visto que escrever não é colocar o já posto. Ou seja, realizar a recognição das estruturas do mundo burguês o que confirma somente o trabalho protetor da conservação do já tido como verdade de classe. Na verdade, uma atividade reacionária de guarda costa da sociedade capitalista. O que faz o alcunhado escritor burguês.
Portanto, escrever é criar variáveis-literárias que nascem pela leitura feita,pelo escritor, acima das palavras e sentenças da linguagem cotidiana, como diria o filósofo Foucault. Atuar no mundo semiótico propondo uma nova simbólica no simbolismo do mundo-objetivo. O filósofo-escritor Victor Leandro, já em outros escritos seus, confirmou seu entendimento sobre essa a necessidade do engajamento do escritor como sujeito-histórico de seu tempo. O que o faz um concebedor-literário universal. O que sabe que embora uma obra-literária tenha gênese-regional ela é um corpus universalizado.
No contexto dos gêneros literários, o livro de Victor Leandro, O Artista do Fracasso, se movimenta como novela. Ao contrário do conto, como mostram os filósofos Deleuze e Guattari, que leva o leitor ao estado ansioso da pergunta o “que acontecera?”, a novela é “organizada em torno da questão: “Que se passou? Que pode ter acontecido?””. O personagem se mostra em uma duplicação. Ele tanto pode ser a primeira pessoa como a segunda. A primeira que descreve o conteúdo e a segunda que é tratada por si mesmo no tema fundante: anseios não definidos.
Na duplicação, o real é sempre abandonado pela ilusão, como afirma o filósofo Clément Rosset. Ao mesmo tempo em que o personagem busca um sentido para sua existência através das ofertas do sistema do mundo literário, como sucesso, glamour, respeitabilidade, ele tenta negar essa necessidade para ser feliz. Trata-se de dois EUs. Um que quer se afirmar como escritor e outro que tenta negar essa afirmação com o recurso da crítica: o Artista do Fracasso é crítico de si mesmo como fabulação. O duplo é uma forma de escapar do real, no seu caso, seu Eu verdadeiro, percebe-se, através do sentido do fracasso que ele persegue, que o duplo é que é o real. O duplo sabe que o mundo literário-burguês é uma insuportável futilidade cujo único objetivo é envernizar os valores-molares para manter a alucinação e o delírio de que ele é único e necessário.
O personagem. envolvido por suas divagações, elucubrações e questionamentos vai tecendo o sentido do fracasso. Mas não um fracasso significativo do mundo burguês, mas o fracasso de entender a si mesmo como quem só blefou durante sua existência. Até mesmo no momento em que acredita ter se apaixonado e ter realizado o intercursos sexual com o fito de querer uma prova que sua existência teria sentido. Mesmo a separação brusca e grave da companheira, não passa de mais um lance de seu auto-jogo fracassante.
Se nos apoiarmos no que afirma o filósofo Heidegger, que o questionamento implica um já saber, não houve fracasso e nem tentativa de fracassar e, muito menos, a produção do fracasso pela força desatinada do mundo literário. O escritor, não o Victor Leandro, mas o personagem, a priori sabia de tudo. A angústia que ele tenta apresentar quando depois de 20 anos é convidado para uma premiação, esta a razão da viagem, é claramente mais uma peça do blefe. Ele sabia que não ia ser premiado. O diálogo-monólogo durante todo itinerário da novela que ocorre em uma viagem é literariamente um passeio-fantástico, mesmo povoado de ideias e objetos do mundo real. Não existe melhor lugar para fantasiar do que voando, poderia dizer Freud em referência-onírica ao medo de cair. Contabilizar a vida é horrível, diz Deleuze. O que o personagem faz voando em uma descrição talentosa de Victor Leandro que leva o leitor ao encontro da resposta da pergunta:O que terá acontecido?”.
Essas considerações-literárias sobre o livro O Artista do Fracasso, de Victor Leandro, não deve ser tomada como uma crítica-literária, visto que em função de nosso engajamento como responsabilidade pela existência, sabermos que o crítico é um personagem asqueroso, parasitário, fantasioso e sordidamente capacho, e, muitas vezes, inculto. O que o escritor-filósofo descreve muito bem em sua obra.
No mais, é só adquirir o livro e se deleitar com a pedagogia do fracasso que Victor Leandro traça novelando.