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Para o filósofo Kierkgaard a angústia é o Nada. A vertigem como atração pelo abismo-nadificante. Perda de seus laços e traços. Uma especie de cair fora como existência. O que o poeta nega: não há como cair fora. De qualquer forma, a angústia nadifica por seu ser desesperador como impulso de desamparo.

Para Freud a angústia é o medo perante uma ameaça e se apresenta de três formas: angústia realística, angústia de consciência e angústia neurótica. Na primeira, o Eu se mostra ameaçado por um perigo futuro que, também, pode refletir o medo de uma experiência dolorosa passada que ameaça se repetir. Na segunda, o Eu se submete às exigências severas, como cobrança, do Super-Eu. O medo se instala como cobrança-castigo. Na terceira, o Eu é dominado pelo medo, mas sem encontrar qualquer signo-referencia na objetividade. A ameaça parte do inconsciente. 

Tanto a angústia-filosófica de Kierkgaard como a angústia-psicanalítica de Freud apresentam um elemento-inquietante comum: o sentido de desamparo. A condição-existencial de não poder contar com nada. A impotência-nadificadora perante a ameaça incontornável. Encontra-se angustiado é encontra-se em estado de impotência diante de uma situação ameaçadora. A impotência-existencial é o encontro-limite do Eu consigo mesmo sem poder contar com outros adereços existenciais. É o face a face. Perda do Outro responsável pela identidade do Eu. O desespero por não poder encontra no Eu outros signos que não sejam os próprios deste Eu.

Encontrar-se diante de si é compreender o sentido existencial da liberdade como obrigatoriedade do engajamento no Existir. A impossibilidade de recorrer às fugas, subterfúgios e ilusões como escotomização da realidade. Desespero fundante da liberdade.  O filósofo Sartre chama de criação das regras do jogo como princípio-ontológico. Tudo é do homem. Condição para se afirmar junto com Protágoras que tudo que é humano nada surpreende. A surpresa é para os que estão nadificados.

Em sua obra-implicante, A Peste, o filósofo Camus trata exatamente, como discípulo de Kierkgaard, da angústia tendo como ente-propulsor da epidemia que se apossa da cidade de Oran. O processual-literário-filosófico do argelino apanha os habitantes e os visitantes da cidade Oran desde suas condições desconhecedoras da peste promovendo gradativamente suas novas percepções e concepções existenciais da patologia que os ameça e que causa  centenas de mortes. O que os leva, pela primeira vez, a se defrontarem com a liberdade. A angústia de se saber livre na impotência de não poder sair da cidade. A descoberta de que a peste está ligada a condição de ser livre. A peste não é um corpo estranho ao homem. A peste é do homem. A cidade-liberdade encontra-se imbricada com a peste. Ela não não é um estrangeiro que vem de fora. Ela é originariamente criatura-humana. Desta leitura ela é criatura do homem.

A angústia real e crivelmente humana que a pandemia, que no momento vivenciamos, nos proporciona é diferente existencialmente da Peste de Camus. Em Oran, os indivíduos podiam ansiar um fora. Ansiar uma realidade fora da cidade em que se encontravam. Embora não pudessem sair pela imposição da lei. Assim, como ninguém podia entrar. Na angústia da pandemia, pelo contrário, não há um fora. O poeta tem razão: não há como cair fora. É a totalidade do planeta Terra que se circunavega como nadificação da transcendência. A possibilidade de transcender o momento atual para escapar da pandemia, não existe. Nem a morte de Deus poderia nos conceder esse possível. Não há como sair do planeta para escapar da pandemia e muito menos cogitar fabulisticamente. É o face a face coletivo. O fruto maduro pode cair fora da árvore, mas nós não. Ironia da Natureza.

 Sartre afirma que o Em-Si é só um atual, já que ele é continuamente um ser-incompleto cogitando um ser-fora. Há no Em-Si uma falta que se torna situação através do Para-Si. Sartreanizando a pandemia, não há falta, só Em-Si completo. Como o Para-Si é um lançar-se fora como falta, na pandemia o Em-Si esgota-se em si mesmo. Nessa situação, cabe a moral sartreana endereçada ao burguês: um insuportável Em-Si. Nunca é princípio só consequência.

Na condição de impotência, ao destruir este possível, recorre-se às ilusões como forma de amenizar a angústia que se impõe, mas só piora. O mundo-capitalista, principalmente, com seus elementos mistificados, mitificados, reificados e alienados não possibilitou qualquer sentido de existência prazerosa, mas tão somente sentimentos e ideias substitutivas reveladas nas formas de sublimações-neuróticas que a maioria pratica cotidianamente. São estes elementos substitutivos que ela sente falta no isolamento-corporal, a quarentena. Sente falta dos seus malogros existenciais. Dos points onde festeja suas mediocridades como amenidade da existência-escotomizada. Com os sentidos obstruídos, a inteligência necrosada e a a ética atrofiada, nada importa que não seja lutar pela manutenção, defesa e alimentação destes sentimentos e ideias substitutivas psicossociopatológicos. Esta a grande falta neste sistema. O macrofascismo explícito.  

Porém, é preciso observar que esta situação da falta do fora não é condição-vivencial de todos. A maioria, em suas existências inautênticas, não percebe. Nela Kierkgaard e Freud, não existem com suas enunciações filosóficas e psicanalíticas sobre a angústia. Entretanto, ela não escapa da angústia, já que o sistema que cultua é corpus paranoicamente angustiador. Por isso, seu cotidiano reflete o sintoma conhecido como angústia da exacerbação narcísica.  

 

 

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