FILÓSOFO JOSÉ ALCIMAR*: MARX, OCTAVIO IANNI E A ADERÊNCIA DESTRUTIVA: A DESTRUIÇÃO DO BRASIL-NAÇÃO

0

José Alcimar de Oliveira *

01. “Está em curso a transição de uma nação em província, com a transformação do aparelho estatal em aparelho administrativo de uma província do capitalismo global” (Octavio Ianni, 2000).

 

02. Quatro anos antes de sua morte (2004), essa contingência incontornável, necessária e constitutiva do ser social, Octavio Ianni, num breve e denso texto de oito páginas – O declínio do Brasil – nação -, publicado na Revista Estudos Avançados da USP, parece falar do Brasil de 2020. Esse texto me foi hoje (25 de junho de 2020) encaminhado pelo caro amigo Marcelo Seráfico, com a indicação: “Recomendo”. Como detesto leitura digital, ao iniciar a leitura do texto no celular minha memória acusou que já o havia lido em forma impressa. Fui aos arquivos, e por sorte lá estava o texto no número 40 da Revista Estudos Avançados da USP, set / dez de 2000. Texto recomendadíssimo.

 

03. Não sou sociólogo, nem especialista em coisa nenhuma. Nietzsche assegura que todo especialista é digno de uma corcunda. Se tiver que carregar esse desvio ortopédico não será por força desse hoje dominante paradigma, denominado por Ortega y Gasset de “barbárie da especialização”. Sou apenas um leitor indisciplinado do que me interessa ler. De Milan Kundera aprendi que o obrigatório é não sério, e o sério facultativo. Releio facultativamente o texto que reputo sério. E me dei conta de que o texto de Octavio Ianni, se confrontado com o acelerado processo de decomposição institucional da sociedade brasileira, adquire hoje mais força heurística, maior potencial de objetivação, do que à época de sua publicação, há 20 anos.

 

04. Ao encaminhar ao amigo Marcelo Seráfico a observação de que já havia lido esse texto de Ianni, sem identificar quando nem onde, dele recebi o que a seguir transcrevo, sem por ele ter sido autorizado: “(…) toda vez que me desanimo, volto a esse texto. Ele tem sido decisivo para mim sob vários aspectos. Um deles é mostrar como o rigor acadêmico e o compromisso do intelectual devem estar a serviço do desvelamento dos grandes processos, dramas e tragédias. Pois é a partir desse desvelamento que se pode começar a sonhar”.

 

05. Num livro ensaístico sobre o pensamento de Marx, intitulado
Dialética e capitalismo, Octavio Ianni caracteriza o método marxiano de
pensar como o de uma intelecção cuja episteme se move por “aderência
destrutiva” ao objeto. Na verdade, o que Octavio Ianni atribui a Marx
ganha peculiar força metodológica em suas obras sobre o caráter da
predação natural e social das relações a que o grande capital tem submetido
a terra e o homem nessa República Oligárquica. Passados 16 anos de sua
morte, o Brasil, comoditizado até no nome, se desdobra e se vertebra como
um empreendimento em que o passado traga o presente numa reedição
continuada e sempre reativada pelo concerto empresarial-militar
denominado por Ianni de Ditadura do grande capital, livro cuja primeira
edição data de 1981.

 

06. Onde quer que esteja e, seguramente não se encontra em
nenhuma geo-referência espacial que não seja condicionada pela história,
o que exclui as possibilidades de inferno, purgatório e céu, para não falar
do limbo – já extinto por uma Comissão Teológica Internacional do
Vaticano – o grande e generoso Octavio Ianni, parceiro do Mouro de
Trier, e que soube como poucos intelectuais coletivos e com arraigada
combinação de inteligência dialética e compromisso político objetivar os
dilaceramentos sociais e a violência de classe que o grande capital
imprimiu na vida da classe trabalhadora, poderia nos encaminhar, e sem
nenhum acréscimo substancial, esse texto de 20 anos atrás com a data de
2020.

 

07. Quando um texto pensa o social desde suas raízes, o que Marx
denominava de pensamento radical, ele tem o poder de atravessar a
história. E é isso o que fez Ianni. Tal como Marx, que admitia mover-se por
contradições dialéticas, Ianni ressalta que “o princípio da contradição
governa o modo de pensar e o modo de ser”. Se é impossível interpretar o
capitalismo sem o pensamento marxiano, menos ainda o Brasil da Casa
Grande e da Senzala sem a força dialética e a densidade crítica do
pensamento social de Octavio Ianni (1926-2004).

Octavio Ianni, PRESENTE!

*José Alcimar de Oliveira é professor do Departamento de Filosofia
da Universidade Federal do Amazonas, teólogo sem cátedra
e filho dos rios Solimões e Jaguaribe.
Em Manaus, AM, em junho do ano coronavirano de 2020.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.