PREVISÕES DE MÃE ZAILA PARA O ANO DE 2020

Fotosofia: Maurício Colares
PRODUÇÃO AFINSOPHIA.ORG
Como ocorre todo final de ano, a Associação Filosofia Itinerante (AFIN) realiza entrevista com uma mãe de santo ou pai de santo cujo objetivo é saber quais as previsões para o novo ano que se avizinha. E com isso, através de seu site Afinsophia.org e seu blog Esquizofia, apresentar aos seus fiéis acessantes as infalíveis previsões.
Desta vez, membros da AFIN estiveram na casa da Mãe Zaila, cujo nome em africano significa a feminina. Um nome que afirma a sinceridade das previsões, posto que a vocação do gênero feminino é a justiça.
Ao chegarmos à sua casa, Mãe Zaila recebeu os membros da AFIN com seus predicados singulares: sensibilidade-movente, inteligência-ativa, ética-socializante, humor-criativo e ternura-altruísta. Mãe Zaila é filósofa, médica, psicanalista, antropóloga, atriz, musicista, poetisa e multimídia.
E foi nesse peri-mundo profético, estético e epistemológico que os membros da AFIN tiveram em primeira mão em suas consciências o desfilar do futuro um tanto angustiante, mas real. Principalmente quando Mãe Zaila parte da experiência do presente para o futuro com implicações profundamente aberrantes.
Com vocês as previsões de Mãe Zaila.
Associação Filosofia Itinerante (AFIN) – Primeiramente deseja muitas felicidades para a senhora, porque a senhora merece pelo trabalho engajado que desenvolve junto as causas dos humilhados pela prepotência e estupidez da classe dominante. Um trabalho jamais visto por essas glebas por uma pessoa com sua constituição-poiética. Então, Mãe Zaila, o que a senhora prevê para o ano de 2020?
MÃE ZAILA (Sorrindo) – O que vocês preveem.
AFIN (Gargalhando) – Mas nós não temos o dom da previsão. O dom é da senhora.
MZ (Baforando um charuto baiano) – Querem um?
AFIN – Não, obrigado. Faça bom proveito.
MZ – Quando eu digo “o que vocês preveem”, eu quero dizer que vocês já participaram desse déjà vu. Todos, no Brasil, já viram. Não há como ocultar. A violência nunca permanece em ocultação.
AFIN (Preocupados) – A senhora quer dizer que no Brasil o 2020 será a repetição de 2019?
MZ – Sim! Mas vocês sabem que toda previsão pode apresentar uma ou algumas variáveis.
AFIN – Como assim?
MZ – A primeira vista, o Brasil tende a repetir o que sofreu em 2019, mas pode ser que algumas variáveis possam surpreender.
AFIN – Mas as previsões impedem as surpresas.
MZ – Sim. Porém, as previsões também passam pelos mesmos movimentos que constroem o futuro. E aí, pode ser que o futuro previsto não se atualize.
AFIN – Filosofia temporal profunda!
MZ – Não há previsão verdadeira sem filosofia.
AFIN – A senhora quer dizer que todas as perdas impostas pelo evento atual podem ser recuperadas?
MZ (Sorrindo) – Vamos fazer um acordo: vamos parar com essa babaquice de usar o tratamento “senhora”. Senhora é a mãe de Deus. Para quem eu trabalho. E eu sou uma simples mortal.
AFIN – Uma simples mortal, não! A senhora é mortal, mas não uma simples. A senhora é singular. Original. Tudo bem. Vamos lhe tratar pelo seu nome.
MZ – Muito bem. Não que as perdas possam ser recuperadas, mas que algumas atitudes da sociedade brasileira podem impedir que o estado de coisa atual venha a piorar. Porém, a expectativa é esta: 2020 vai repetir 2019.
AFIN – Que não existiu.
MZ – Que não existiu nem democraticamente, nem politicamente, nem economicamente. Viveu-se o pior momento da história do Brasil. Na verdade, não se viveu nada de história, pois a história é o movimento criador de novas formas de bens que beneficiam o povo como devir constitutivo.
AFIN – Zaila, para você quais as causas dessa inexistência do ano de 2019?
MZ – A ignorância, como falta de sabedoria, e a estupidez, como falta de delicadeza política e social. Aliás, só se agravou, pois já vinha do primeiro golpe.
AFIN – Profunda essa observação. Como o golpe eliminou uma presidenta eleita, e o evento atual é decorrente desse golpe, que inclui a prisão de Lula, como se deve entender politicamente o Brasil hoje?
MZ (Chamando um gatinho) – É um país sem presidente.
AFIN (Alegres) – Essa foi profundíssima!
MZ – Desde 2016 que o Brasil vive sem um presidente eleito dentro dos princípios fundamentais da democracia. Foi nesse quadro que a ignorância e a estupidez se manifestaram e se fixaram como bruta realidade. Como que a sociedade brasileira que sempre cultuou o humanismo da paz pode assistir conformada a escalada da violência praticada pelos adeptos do evento? Como se pode querer desmerecer a importância mundial da inteligência de Paulo Freire como seu comprometimento da educação como prática de produção de uma sociedade alegre, satisfatória e justa? É um evento sem qualquer signo epistemológico, além da insensibilidade-social.
AFIN – A mídia, porta voz do sistema, afirma que a economia melhorou.
MZ – Ela faz o papel dela: subserviente ao mercado, já que se trata de uma mídia de mercado. E a função dela é mentir como defesa do mercado. Desemprego, trabalhadores na informalidade sem qualquer segurança trabalhista, lojas fechando, Natal pobre, famílias sem ter o que comer, não é índice de desenvolvimento econômico. Nessa triste realidade, pode-se até aventar que muito dos fogos das festas de fim de ano foram os que sobraram da derrota do Flamengo para o Liverpool. Se não fosse isso, o silêncio-doloroso seria maior.
AFIN – Para você quais os piores atos praticados pelo evento que vão se repetir no ano de 2020?
MZ (Servindo uma dose de cana de alambique para cada um) – Como psicanalista, afirmo que todos. Por quê? Porque se trata de compulsão em pregar a dor no outro que se toma como inimigo para sublimar suas próprias culpas inconscientes. Vejam que o perigo não sai apenas de um grupo, mas de todos que são identificados com a dor. É a expressão maior do fundamentalismo que atinge todos os quadrantes da sociedade. E o pior é que eles não entendem qualquer manifestação do mundo racional. Para eles só existe o mundo deles, como diz a filósofa Hannah Arendt. Por exemplo: eles não entendem o Cristo filho de Maria, mas o Cristo de suas próprias subjetividades. Um Cristo acusador, perseguidor, julgador e condenador. O que não é Cristo, mas um deslocamento-projetivo de suas próprias pulsões-persecutórias. Não esquecer que há neles profundo sentimento de insignificância. É por isso que atacam os que lhes são diferentes impulsionados pela inveja e o ódio. Vejam como invejam os artistas, intelectuais, pessoas que fazem uso natural de suas práxis e poiesis. Dizem que querem acabar com o comunismo, mas nem sabem o que significa. É provável que no mundo deles ninguém uma orelha de um livro de Marx. Atacam o que não sabem o que significa.
AFIN – Então, a barra de 2020 vai ser pesadíssima?
MZ (Alegre) – Mas, tenho uma boa previsão.
AFIN – Qual?
MZ – 2020 é ano de eleições municipais. E a variável vem daí.
AFIN – O que a Mãe Zaila prever?
MZ – Vão ser eleitos muitos prefeitos e vereadores progressistas. Muitos eleitores, ao contrário da mídia de mercado, estes eleitores estão sentindo que suas vidas só pioraram e quer, pelo menos no plano municipal, que ela melhore. Não querem outra vez serem enganados.
AFIN – Que bela previsão!
MZ (Gargalhando) – Essa frase parece nome de cinema de Buñuel.
AFIN (Ansiosos) – E aqui em Manaus, capital dos políticos reacionários, os eleitores também vão produzir a variável?
MZ – Não esqueçam que o que está ocorrendo é em todo o Brasil. A conscientização do povo já está em marcha. Não esqueçam que a vontade do povo é vontade de potência, como diria o filósofo Nietzsche.
AFIN – E é possível perceber quem é o candidato que vai ser eleito prefeito de Manaus?
MZ – Meu trabalho não é sobre pessoa, mas sobre situação. Pela situação posso prever que será um candidato da esquerda.
AFIN – Mas a esquerda aqui é tão atormentada. Muito doida. Tem nego que passa muito bem como nazifascista, mas se toma como esquerda.
MZ – É um candidato que tem boa aceitação até na direita, mas sua atuação é mais na perspectiva popular com o estado garantindo políticas públicas.
AFIN – Que assim seja. Nós, assim como grande parte da comunidade, acreditamos, profundamente, em você. É possível fazer previsão para a próxima eleição presidencial? As pesquisas mostram que a disputa vai ser com Lula e o evento. Será?
MZ – Como diz o filósofo Deleuze através do outro filósofo Bergson, existem duas memórias: uma curta e outra longa. Daí que existem também dois futuros: um perto e outro distante. O perto é este que estamos vivendo no presente. E o longo é o que ainda se encontra distante como virtual. A previsão que posso fazer, partindo desse presente-futuro, é que Lula encontra-se na posição de disputa como vitorioso. Agora, como o povo brasileiro está despertando do pesadelo que vem atormentando sua vida, é possível que o evento nem dispute a eleição presidencial. Pois como diz o ditado popular: Uma triste lição é uma eficiente mestra para criação da alegria.
AFIN – Em sendo assim, a jogada do evento em se colocar como candidato é só exibição narcísica?
MZ – É. Ele precisa acreditar que é amado. Ele acredita que os gonzos vão se alinhar como se alinharam em 2019 para o elegerem. Só que os gonzos não repetem seus alinhamentos. Cada alinhamento é um só. Só ocorre uma vez. Ainda mais quando não cria nada novo no universo.
AFIN – E o Moro? Vai ser candidato?
MZ – Não vai ser candidato e muito menos seria eleito. O povo já entendeu que o Brasil não precisa de herói muito menos fabricado. Se o povo acredita em um herói é nele mesmo como herói. Já começou o desmascaramento da Globo. O povo já está entendendo que o que a Globo se preocupa é apenas com seus privilégios. E Moro ajudava esses privilégios se postando como salvador do Brasil em nome da corrupção. E o povo já sabe que o significado de corrupção não é apenas posse de dinheiro público, mas também várias formas de condutas imorais que degeneram o sentido de normalidade e justiça.
AFIN – E qual sua previsão sobre quem será o campeão do Brasileirão
MZ – Ora, ora, meus jovens e minhas jovens. Será o meu time.
AFIN – E qual é seu time? O Flamengo?
MZ – Como afirma o dito popular: um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. O meu time é um time cujo uniforme não faz propaganda nazifascista. Outra coisa que eu queria dizer para vocês. As previsões que se repetirão são apenas as que são oriundas do evento. As tétricas. Quanto aos seguimentos que escapam, eles terão grandes revelações. Os movimentos sociais continuarão atuando eficientemente. As mulheres, os negros, os índios, a LGBT continuarão na luta de forma mais categórica. Os grupos artísticos das periferias como hip-hop, punk, funk, rock, vão realizar muitas revelações. O cinema, apesar da violência contra a ANCINE, vai continuar criando e ganhando muitos prêmios nacionais e internacionais. O teatro também vai no mesmo rumo. Principalmente o teatro amador, o teatro popular. E a música nem falar. O samba vai ter um ano esplêndido. Um ano de grandes revelações. Isso tudo, porque os movimentos sociais são um Devir-Comunalidade que não pode ser aprisionado e nem destruído por qualquer força tirânica. Ele sempre escapa e mais potente em práxis e poiesis intensiva. Uma bia demonstração será o carnaval. Será eminentemente de rua. Porque, como Dionísio, o carnaval é fora. Na rua.
AFIN – Agora, a previsão que nunca pode faltar. Qual a previsão para a AFIN?
MZ – Ora, ora, ora! A mesma de sempre a Associação Filosofia Itinerante vai continuar trabalhando, produzindo novas formas de sentir, ver, ouvir e pensar como corpus afetivos e cognitivos comunalidade.
AFIN (Eufóricos) – Valeu, Mãe Zaila! Cada ano que passa você eleva mais ainda sua grandeza como vocação humana de existir. O que lhe faz um ser muito amado e, também, muito invejado pelos reativos.
MZ – Sem modesta, eu apenas vivo. Não penso na morte. Comungo com o filósofo Spinoza: um homem livre não pensa nunca na morte só na vida. A vida ativa, como diz o filósofo Nietzsche. Eu amo. Porque sei que “o amor é uma alegria cuja ideia é uma causa exterior”, como diz, novamente Spinoza, uma causa produzida em parceria com os homens e as mulheres livres. Valeu, companheiros e companheiras! Voltem sempre que estarão lhes esperando a caninha e o charuto que “não vai se apagar por causa da amargura”.
Eu vi o presente no futuro. Essa Mãe tascou no âmago da política. Não escapou ninguém.