VICTOR LEANDRO: BOLSONARO E O FIM DAS APARÊNCIAS*

Bolsonaro e o fim das aparências
Desde Marx, todo o trabalho da crítica política sempre se pautou no
desvelamento das raízes ocultas dos eventos por trás de sua falseadora apresentação, da
qual os grupos dominantes se valeram permanentemente a fim de perpetuar-se no poder.
Com isso, a tarefa revolucionária consistia em esclarecer suas contradições e atingir os
reais interesses dos grupos opressores.
Mas, o que ocorre quando não há nada depois das aparências? Que resta ao
trabalho do analista quando lhe é retirado exatamente o cerne de sua atuação?
Este é o desafio que o governo Bolsonaro impõe, e que tem gerado em seus
opositores um impasse imprevisto. Nele, tudo é o que parece: Damares é realmente uma
fundamentalista misógina; Vélez, um fanático guiado por um astrólogo biruta; Guedes é
o arauto de um neoliberalismo anacrônico e explorador, enquanto o clã presidencial não
passa de um feudo patriarcal e falo-obsessivo.
Não se pode atribuir tal fenômeno à inteligência dos que o perpetram. Na
verdade, eles talvez sejam os únicos a acreditar piamente que o que dizem se sustenta de
alguma forma, ou seja, que não são o que são. Mas não é possível negar a eficiência dos
efeitos produzidos. Se não há nada por trás dos fatos, como é possível contradizê-los? E
se o inimigo é não mais aquele que se traveste de amigo, e sim o que, assumidamente,
afirma que vai, pelo valor da amizade, açoitar os seus, de que modo se há de denunciar a
sua perversidade? Não se pode retirar a carapuça de quem não a utiliza.
Também não se pode nem mesmo neste governo combater o primado das
aparências, pois, quando lançamos as mãos sobre elas, tudo o que achamos é um terrível
vazio. Os argumentos bolsinaristas não podem ser vencidos, porque não passam de
fantasmas e não habitam o plano material da lógica. Sua constituição é pura
evanescência.
Que resta então? Apenas repudiar ao jogo, forjar uma existência e uma
discursividade verdadeiras que passem ao largo dessas manifestações soturnas. É
preciso deixar os fantasmas falarem sozinhos e ignorar sua existência, até que eles
próprios passem a duvidar de sua verdade e se apaguem por si mesmos. Nessa hora,
todos saberemos que estes nunca foram reais, e despertaremos como quem sai de um