CASO WALLACE: SÍNDROME DE PETER PAN NA ERA DA INOCÊNCIA
No discurso antes da votação na Assembléia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) que, por unanimidade, encaminhou para a Comissão de Constituição e Justiça o pedido de abertura de processo por quebra de decoro, o deputado estadual Wallace Souza (PP) chorou, disse-se inocente, descreveu lástimas familiares, utilizou-se fartamente do lugar comum “Deus” e se referiu ao filho Rafael como uma criança. Toda a mídia sequelada amazomanoniquim atém-se a esse logro de péssimo bufão. Encenadas para ocasião e/ou provocadas por ver investigações sobre crime organizado e tráfico de drogas levarem Rafa à penitenciária e esbarrarem, juntamente com a acusação de corrupção de menores, na sua (até então) imunidade parlamentar, as demonstrações emocionais do deputado, partindo do mais baixo grau do entendimento, o senso comum, o “ter visto”, “ter ouvido” do qual fala Spinoza, descambam na fantasia psicológica e não devem corromper as decisões jurídicas.
A ERA DA INOCÊNCIA DE WALLACE…
Na mentalidade desmemoriada na lembrança e na afetividade dos adultos em relação a suas infâncias, a infância aparece como uma era de inocência, pureza, retardamento, felicidade, ingenuidade, alheamento em relação ao futuro. Tudo que o cineasta espanhol Carlos Saura desmonta, em relação ao falso sentido dado à infância pela maioria dos adultos, com as imagens do seu Cría Cuervos.
Nada a ver com “princípio de inocência” ou “presunção da inocência”, princípio do direito penal que estabelece a inocência do réu como regra até que o processo instituído contra ele seja concluído e o trânsito em julgado o defina culpado em “sentença penal condenatória” (Constituição Federal art. 5º, LVII). Seguindo este princípio, Wallace, a princípio, nem poderia dizer-se “inocente”, uma vez que ainda não é réu. A não ser que ele esteja adiantando-se a uma possível morosidade da Justiça e já se coloque, peremptoriamente, como réu. Caso sua autoacusação não interesse à Justiça, a comoção muito menos deve fazer parte das decisões na ALE, em que pese as dúvidas quanto ao entendimento de muitos deputados.
A SÍNDORME DE PETER PAN DE RAFAEL…
Alguns adultos, tão afeitos que foram à era da inocência, continuam comportamentalmente imaturos, infantilizados emocional, social ou sexualmente. “Crianças-grandes”. A isto, desde a publicação do best-seller The Peter Pan Syndrome, em 1983, pelo Dr. Dan Kiley, a psicologia denominou de Síndrome de Peter Pan e passou a fazer referência a ela, embora não se tenha comprovação de ser uma doença psicológica real, não se fazendo constante nos manuais de transtorno mental.
Na tentativa de embaralhar fantasia e realidade, anulando as evidências desta, o deputado Wallace mistura as acusações que recaem sobre Rafael com os hábitos de uma criança temerária: “Como podem dizer que ele (Rafael) matou 27, 30, 37 pessoas? Como podem fazer isso com um rapaz que até hoje procura o meu quarto de noite, para dormir, com medo de ficar sozinho?”
A própria flexibilização dos números de homicídios é um truque linguistico para relativizar as acusações práticas. Mas, diferente da chamada Síndrome de Peter Pan, pelo mais famoso Complexo de Édipo freudiano, fundo universal de todo inconsciente psicanalítico, segundo a dita ciência psicanálise, toda criança terá de passar por volta da chamada segunda infância (7 a 11 anos) para uma fase posterior, da qual formar-se-á um adulto de comportamento normal ou patológico (psicose).
O deputado Wallace acrescenta que “uma psicóloga, quando olhou a foto de Rafael, disse que, pelo olhar, sabia que ele era incapaz de matar”. Não vem ao caso enquadrar Rafael (só fizemos referência a ele com a Síndrome de Peter Pan porque não é considerada real e pelas narrações de seu pai), mas muito menos vem ao caso dar crédito ou não a uma psicóloga que faz uso de uma assertiva psicológica por uma fotografia e sem pedido judicial, já que ele está sub judice. Do ponto de vista legal é totalmente irrelevante. No entanto, no inverso dos psicopatas hollywoodianos, a principal sedução de um psicopata serial é o olhar dócil infantilizado num corpo adulto. Mas não quer dizer que o olhar de Rafael…
ESVAZIAMENTO E IMANÊNCIA DO SIGNO “DEUS”
Esquecendo ou desconhecendo o enunciado de Cristo: “Dai a César o que é de César”, em todas as partes de seu depoimento, o deputado Wallace trazia Deus como testemunha. Como fazem todos os embusteiros, dentre eles políticos, padres ou pastores corruptos, e também réus de alguma acusação difícil de comprovar inocência, clama-se tanto por Deus, que ele deixa sua transcendência e vem pra terra. Por um lado é um esvaziamento da máquina abstrata “Deus”, que já era vazia e manipulada conforme o motivo do massacre desde as Cruzadas; mas, por outro lado, Deus se fez carne e habita entre os homens. “O pobre é deus na terra” (Toni Negri). A ilusão de um Deus transcendente já não existe mais. Portanto, Deus não está mais do lado do poder constituído, e mesmo que a ALE-AM venha ou não cassá-lo, mesmo que a Justiça venha ou não condená-lo, os humilhados nos programas miserabilistas, os eleitores ludibriados em votos não-democráticos já agiram para diminuir a violência e afirmar ao mesmo tempo as singularidades e as coletividades democráticas, porque são deuses e tudo podem.
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