!!!!! O MUNDO É GAY !!!!!
Um campo florido, em algum lugar do planeta.
QUE SEXUALIDADE QUEREMOS? Parte III
“O interior é uma dobra do exterior” (Deleuze)
Na primeira parte do nosso papo, falamos sobre o enredamento dos saberes constituídos cuja expressão compõe uma sociedade que interdita as manifestações diversas do corpo, sobretudo as sexuais, em nome de uma normatividade positiva. Na nossa segunda parte, falamos sobre como essa normatividade positiva, pulverizada em moral primeiramente, e depois travestida em ciência do sexo, atravessa o social impondo uma ordem laminadora, classificadora, hierarquizadora e rotuladora.
Mas fica a pergunta: se tudo isso ocorre de maneira a limitar o agir, a existência, por que tantas pessoas permitem-se ser sujeitos destes enunciados? Em outras palavras, e lembrando Wilhelm Reich: por que as pessoas não apenas se contentam com a miséria existencial, mas parecem mesmo desejá-la?
Bom, não nos arvoraremos aqui a responder essa pergunta, mas tentaremos apresentar alguns indícios sobre esse acontecimento.
O que é sujeitar-se? Como se constrói um sujeito? Qual é ou quais são as minhas identidades? Esta palavrinha, ainda muito cara a setores do movimento LGBT não dá conta de explicar por que as pessoas matam, morrem, amam, odeiam em nome de um discurso coletivo que lhes é pessoalmente hostil. Queres uma identidade? O sistema capitalista tem mil à tua disposição: basta que pagues. Isso não explica nada.
Enquanto a identidade é formada por imagens estáticas, padrões de comportamento alienados, e que apenas aparentemente pertencem ao seu proprietário, preferimos falar em processo de subjetivação. Como se constrói um homofóbico?
Há enunciações, saberes, dizeres no mundo, antes de nós nascermos. Se para cada um de nós, individualmente, o mundo “começa” quando o espermatozóide invade o óvulo, o mundo já está girando há incontáveis eras. Nascemos, o sistema neurocognitivo ainda por se fazer (se fará por toda a vida, se considerarmos a capacidade humana de produzir a aprender), e já temos que lidar com as enunciações, em suas diversas segmentaridades: a ordem social vigente, as expectativas familiares e suas psicopatologias, as limitações de ordem material (econômica, intelectiva, produtiva), sem estarmos preparados para compreender racionalmente as implicações destas enunciações. O mundo está mais hostil graças ao acirramento das desigualdades sociais promovidas pelas políticas econômicas das décadas de 80, 90 e 2000? Nascemos numa família que carrega dizeres patológicos da maldição tradicional do nome? Nasci condenado a carregar um nome já prenhe de significantes, badulaques, toys in the attic, como diriam os psiquiatras ingleses, os “brinquedos no sótão”, a miséria, o sujo segredinho familiar? Somos um bricabraque de dizeres que me são “externos”, mas que se dobram e produzem meu “interior”.
À medida em que a criança vai se desenvolvendo, vai também ampliando progressivamente sua capacidade de compreensão e consciência dos seus arredores. Uma ampliação da consciência de si como um a-mais no mundo. Vai se tornando capaz de estabelecer correlações, comparações, juízos de valor, optar, escolher, selecionar. Resta saber se o fará a partir de suas certezas constituídas – que não são suas, como já vimos – ou se posicionar-se-á a partir de um incapturável movimento de suspeição, questionando a sua realidade, sempre saltando a cada vez que estes enunciados tentem lhe capturar.
Quando esta criança se constitui como sujeito destes enunciados constituídos, sem lhes impôr um questionamento, análise à luz da razão, acaba por constituir-se ele próprio como uma consequência destes enunciados. Como estes enunciados se arranjarão na composição com o corpo-consciência do sujeito, é um enredamento único, ainda que a temática seja coletiva. É por isso que a psicologia e a psicanálise não se dão bem com a psicose: sem os referenciais bem fundados no “real”, o psicótico não se deixa capturar pelo ordenamento deste real constituído, embora esteja irremediavelmente perdido no labirinto do significante.
Nenhum louco delira sobre algo incompreensível: os temas são sempre os mesmos, sexo, religião, interdição, corpo, igreja, família, amor, ódio, política, o humano, demasiado humano, impregnado ao espírito, acorrentando-o. Da mesma maneira, um outro tipo de louco, é tomado assim por ser livre, por saber transitar sem ser capturado por estes enunciados. Um espírito livre, Nietszche, Spinoza, Bergson, Lucrécio, Serres, Pessoa, Kafka, Saramago…
No entanto, essa “dobra” do exterior no interior pode capturar de maneira a paralizar o movimento. Uma máquina de corte. Corte no plano da produção estética. O homem não como causa de si, mas como efeito dos corpos sociais. Aí, não há como escapar. O ódio a si e ao outro são expressões do vazio produtivo, uma máquina emperrada. Uma doença coletiva que se quer contaminar. Daí a necessidade, para eles, de espalhar a dor como forma patológica social.
A perseguição a negros, hispânicos, homoeróticos e outras minorias é corolário da miséria social, de uma sociedade tanática e autodestruidora. A questão da homofobia passa pela questão social como um todo. Direitos para todos, ou para ninguém.
Assim, a sexualidade como discurso produz também modos de subjetivação que impedem o movimento natural do corpo como ente criador de modos de existir. A sexualidade enquanto discurso científico-moral é antiética. Daí a necessidade de se pensar o movimento LGBT para além do direito jurídico, mas de como se formam estes enunciados e como sua expressão (as enunciações) nos afetam e produzem comportamentos e modos de existir hostis, seja no outro, seja em nós mesmos.
Ui! E agora vamos ver outros sopros gays (ou não) que passaram no nosso Mundico! A Lôca!
Φ PLC 122/06 SOFRE AMEAÇA DE ARQUIVAMENTO NO SENADO. A senadora Fátima Cleide (PT/RO), relatora do projeto de lei complementar 122/06, que criminaliza a homofobia, terá de voltar à mesa de planejamento. É que, se colocado agora para votação na casa legislativa, o projeto sofrerá derrota, e lá se irão cinco anos de trabalho e articulação. A questão reside na oposição do projeto ao direito à opinião. Pastores e sacerdotes das religiões que carregam em seus dizeres a proibição ao homoerotismo devem, constitucionalmente, ter direito a reprová-las em seus sermões. Ainda que para isso tenham que humilhar, ofender, caluniar, dentre outros. Mas esta colunéeeeesima concorda com o nosso presidente, Toni Reis, quando ele afirma que não se trata de um retrocesso no caminho do projeto: antes, é um desvio que é necessário. Trata-se, para além da mediocridade epistemológica de alguns senadores e juristas, de uma questão de enunciado. O estabelecimento de uma enunciação coletiva social que se opõe a um direito civil constituído. Ou seja: não passa pela produção de novas conexões neuronais. Mais do mesmo. Já dissemos aqui algumas vezes que a batalha pelos direitos civis se faz na rua, no discurso, na transformação social de uma cultura. O que, evidentemente, não exclui o processo jurídico. É preciso não proibir que pastores e sacerdotes falem sobre o “homossexualismo”. É preciso tornar esses pastores e sacerdotes desnecessários, ou mais: tornar esse discurso homofóbico, de controle sobre as produções estético-políticas do corpos, travestido em religioso, impossível dentro de uma sociedade democrática. Se há segregação, é porque se trata de uma sociedade que não produz igualdade entre seus membros. Não pulsa, não produz movimento intensivo. Um sintoma disso é acreditar que uma enunciação dogmática é opinião, sem que esta tenha sido examinada pela razão. Se Deus criou o mundo, e tudo o que há nele, então também criou os homoeróticos. E se o mundo é gay… Hihihihi… Te toca, Barrabás! Sentiu a brisa, Neném?
Φ PARADA GAY PAULISTA 2009: ENTRE O LUXO E A MILITÂNCIA. Quem estiver se preparando para participar da maior parada gay do mundo, a de São Paulo, deve colocar a barbicha de môlho. É que os preços cobrados pela organização do evento para trios elétricos e marcas adicionais está inviabilizando a participação de entidades, ONG’s e casas de shows. Para colocar um trio tocando música, com artista e marcas de patrocinadores, o investidor terá de desembolsar, pelo menos, uns 40 mil reais. Quarenta mil tocos, maninha??? Mas para um evento desta envergadura moral tá bão! Pode ser, mas as casas de shows toparam a queda de braços e pretendem mostrar que a moçada só vai à Av. Paulista para mexer o esqueleto. Sem trios, sem as marcas das rainhas das baladas, o povo não desce a avenida, apostam os empresários do setor. Do outro lado, a organização da parada, promovendo o tema “Sem Homofobia Mais Cidadania. Pela Isonomia dos Direitos”, deve tornar a parada um pouco mais “militante”. Nada de discursos inflamados de duas horas de duração, mas são programados intervalos entre uma sequência matadora de acid jazz e house-dance music para falar sobre a condição social e a precariedade dos direitos civis para a população LGBT. Boa sacada! Aí será a hora da gente mostrar que alegria e militância não são antagônicas. Afastar defitinivamente a pecha de que gay, lésbica, bissexual e trans são alienados politicamente. Pule, dance, viva, beije, ame, mas não esqueça que o amor tem que transbordar e contaminar a coletividade, produzindo a liberdade como efeito. No mais, a briga é financeira, e como nós somos lisas, né maninha… Sentiu a brisa, Neném?
Φ NEW HAMPSHIRE APROVA LEI DO CASAMENTO. Meninas, vocês lembram que na semana passada nós falamos da polêmica do estado norte-americano de New Hampshire? O governador afirmou que sancionaria a lei que permite o casamento gay, desde que houvesse uma ressalva nesta lei, dando o direito às instituições comerciais e religiosas envolvidas no processo de se recusar a fazê-lo, por razões religiosas. An old movie, baby… Filme antigo, que está em cartaz novamente aqui pelas salas de cinema do senado. Bom, esta colunéeeeesima não conseguiu apurar se a condicionalidade foi respeitada. O que sabemos é que o governador sancionou, o congresso estadual aprovou, e a partir de primeiro de janeiro de 2010, as beeetchas que quiserem poderão juntar os talheres e as escovas de dentes sob as bênçãos do divino e do profano. É mais um estado norte-americano que caminha rumo ao inexorável direito de casar-se com quem se queira. Ui! Sentiu a brisa, Neném?
Φ MINISTRO ALFREDO NASCIMENTO, AMEAÇADO EM INTERESSES ELEITORAIS, APELA PARA HOMOFOBIA CONTRA CARLOS MINC. O que ocultará a fala do ministro dos transportes e ex-prefeito de Manaus, o natalense Alfredo Nascimento, quando utiliza da palavra “veado” em sua conotação homofóbica, para se referir ao também ministro, este do meio ambiente, Carlos Minc? Ora, oculta primeiro um descompasso com os esforços do governo do qual faz parte. Tudo bem, sabemos que Lula por vezes tem de chafurdar na lama manoniquim, e desta vez defendeu, não Alfredo, mas a iniciativa da BR-319, necessária economicamente ao desenvolvimento do estado, e que Alfredo vê como trampolim eleitoral para 2010. Republicanos são os interesses de Lula, não os do ex-prefeito do “Extresso”. O seu entendimento, aliás, não coaduna com os esforços do governo federal em diminuir a homofobia e aumentar o acesso aos direitos civis básicos, não apenas para os homoeróticos, mas para todas as ditas minorias. Até aí tudo bem, Alfredo é um mal a mais na política nacional: em meio ao enlameamento moral e institucional do então PL, Alfredo era o “menos” chafurdante – embora todos os manauenses saibam o quanto custou o Expresso e os oito anos de marketing da prefeitura alfrediana, que terminou melancolicamente com o golpe de estado conhecido como “Carijozada”. Na chantagem fisiológica que se convencionou chamar política, Alfredo foi empurrado para o Ministério dos Transportes. E só não caiu porque a BR-319 é mais importante que ele. Ao utilizar o termo “veado” para se referir ao ministro Minc, Alfredo evidencia toda a sua estreiteza intelectiva, ao acreditar estar desqualificando o ministro do meio ambiente. Ao contrário, Minc pode não o saber, mas nós sabemos, a potência criadora que carrega um devir-animal, seja ele um veado ou qualquer outro animal. Alfredo, certamente, não o sabe. Acredita no enunciado da moral cristalizada que adesiva o homoerotismo ao ranço moralista. Impensável para um político, mesmo medianamente desenvolvido. Mas é que às vezes, a única armadilha que certos políticos podem preparar para seu povo, é se colocando eles mesmos, em todo o esplendor da sua atuação existencial, no plano dos cargos e funções do executivo e legislativo. Os veados, para quem a política nada significa, meu benzinho, não estão nem aí.. Sentiu a brisa, Neném?
Beijucas, até a próxima, e lembrem-se, menin@s:
FAÇA O MUNDO GAY!
O difícil é a dobra. Animus/P.Alegre