Não foi à toa que a senadora Marina Silva (PT-AC) preferiu deixar a pasta do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e retornar ao senado. Lúcida e afeita ao debate de idéias, ela estava isolada, deslocada, engessada, para empregar uma palavra utilizada amplamente nas simulações/ausências políticas. O ministro Carlos Minc já entrou com o tom que manteve e o manteve até hoje à frente da pasta do Meio Ambiente: “Tremei, poluidores!” Na época, pressentimos a disposição do ministro como um tanto ingênua e espalhafatosa; mas passado um naco de tempo, percebemos que era a única forma que ele poderia empregar, e que, na verdade, fora escolhido apenas para cumprir o papel de espantalho da Floresta Amazônica.

Talvez pela proximidade com Lula, Marina Silva não quis criar uma indisposição, ou talvez nem isso fosse mais possível, com o lombrosiano ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, e a questão ficou mais conhecida em especulações. Agora, os embates estão em campo aberto pelo desmatamento, e, além de Unger, entraram também pelo calor das queimadas incontidas, Reinhold Stephanes (Agricultura) e Alfredo Nascimento (Transportes). Mais além ainda, somam-se contra Minc parlamentares estaduais do governo e a-posição. A mídia continua a especular sobre tudo isso. Os únicos que vão agindo no plano real, não carregando “machadinhas do diabo”, como disse Minc, mas sim imensas foices remote control que ceifarão, até a última árvore, até o último homem, acelerando a rápida passagem da existência humana no planeta errante Terra.

CRISTO NÃO VIRÁ NO DIA DO JUÍZO; MAS UM DIA APÓS O DIA DO JUÍZO, QUANDO NÃO FOR MAIS NECESSÁRIO”

Esse enunciado, sacado de Kafka por Jean Baudrillard, pode ser tomado em relação ao impotente discurso ambientalista de Minc e das ONG’s envolvidas com a questão ambiental. Primeiro porque a rubrica Meio Ambiente universaliza uma divisão binária entre interior e exterior, estando o homem, todos os homens, pela ecologia ambiental, como pastores do lado de fora do campo virgem intocado, por isso suas ações são tão pífias diante dos ruralistas, que invadem o campo, violando-o, enquanto os pastores assistem, estatelados, do lado de fora da cerca infinita.

Segundo porque o que os ambientalistas defendem, da mesma forma que é trabalhado nas universidades, enquanto se seguram em um fio de arame para não se despregar da Terra, não é um ambiente real, mas apenas uma holografia denominada Meio Ambiente. Nunca viram sequer uma árvore. Só a Natureza Naturada, antropomorfizada até a exaustão e até os primórdios da humanidade.

Terceiro porque essa ecologia ambiental, se tomada de forma isolada, impede a visualização de outras formas de ecologia — a saber, a ecologia social e a ecologia mental —, as quais Félix Guattari conceitua, quando indissociáveis, de ecosofia:

Uma ecosofia de um tipo novo, ao mesmo tempo prática e especulativa, ético-política e estética, deve a meu ver substituir as antigas formas de engajamento religioso, político, associativo…”

Portanto, Minc está cumprindo muito bem o seu papel de porraloca, sem capacidade de inteligência de defender-se dos mais baixos e preconceituosos tratamentos dados pelos outros ministros. Diz-se que numa fusga entre ele e Alfredo Nascimento, que vai exigindo, absurdamente, que o selo ambiental das obras de construção da BR-319 sejam dados somente no final da obra, este afirmou, o que foi ouvido inclusive por outros ministros: “Eu ando dizendo por aí que você é viado, para você falar mal de mim?” (Sobre a homofobia contida no enunciado de violência de Alfredo, leia a coluna Mundo Gay domingo).

Até o deputado estadual Sinésio Campos, do apequenado PT-AM, estufou seus verborrosos preconceitos contra Minc: “Se tem uma guerra, se o ministro Minc gosta de fumar um baseado, e a única vez que ele veio ao Amazonas foi para ir tomar o (chá) do Santo Daime lá em Boca do Acre, o único lugar que ele conhece, mas ele não conhece o Amazonas, não mora aqui, não pisa na lama, como o povo de lá. Eu me refiro especificamente à BR-317.”

O que fará Minc? Reunir-se-á com a “miss do desmatamento”, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), talvez para pedir-lhe desculpas por querer-se um espantalho corajoso: “A boa aliança é com o meio ambiente, com a preservação. Os ruralistas encolheram o rabinho de capeta e agora fingem defender a agricultura familiar. É conversa para boi dormir. Não se deixem enganar. Não é a CNA [Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil] que fala em nome da agricultura familiar, é a Contag e outros movimentos sociais” (Agência Brasil).

Minc está cumprindo muito bem o seu papel: o de um espantalho que tem medo. Até então, assim como comemoraram a saída de Marina Silva, a Bancada Ruralista, a UDR, o CNA estão adorando. Talvez ele tenha sido colocado no MMA apenas para cumprir esse papel. Independente se ele conseguirá fazer alguma coisa além disso, a Natureza não colocará uma lágrima pela espécie humana e continuará no seu curso contínuo, ininterrupto, pelo meio

Porque é da Natureza

(Cátia de França e Abel Silva)

Uma cobra obra um ovo

Bem menor que o da ema

Mas cada um tem sua gema

Que começa a ser de novo

O veneno de outra cobra

O galope de outra ema

Porque é da Natureza recomeçar

Porque é da Natureza recomeçar

.

Já com o vírus acontece

Uma coisa bem estranha

Se tira um pedaço dele

Outro pedaço ele ganha

O pedaço extirpado

Outro vírus vai formar

Porque é da Natureza recomeçar

Porque é da Natureza recomeçar

.

O amor que tu me deste

Sempre vive à mina d’água

Quanto mais eu bebo dele

Mais aumenta a minha mágoa

Tudo posto nessa mesa

Não se importa plantar cedo

Porque é da Natureza

Matar quem morre de medo

Para baixar o disco de Cátia de França, clique:

Cátia de França – Estilhaços (1980)

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