O ato público convocado pela Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas – Seção Sindical (ADUA-SS) e realizado na manhã da sexta-feira passada, 15.05.2009, no hall do ICHL, com representantes de várias entidades da sociedade civil, pode ser mais um indicador de que o exercício da cidadania pode renascer das cinzas do individualismo e do cada um por si que parece presidir o cotidiano irrefletido da sociedade do consumo e do espetáculo. A agressão física e verbal sofrida pelo professor Gilson Monteiro em sala de aula, no devir de seu trabalho educativo e que ensejou o ato, longe de ser um episódio isolado e exceptivo, é mais uma demonstração da arrogância financeira da baixa política nesse Amazonas de secular mandato coronelista, e deve nos ensinar mais uma vez a lição do velho Brecht ao nos lembrar que a luta apenas inicia, que não devemos cantar vitória e menos ainda sossegar as consciências, porquanto ainda “continua fértil o ventre do qual nasceu a coisa imunda”. A Universidade (e a Universidade Federal do Amazonas nesses tempos sombrios) seguramente deveria ser o último espaço em que a cultura cede lugar ao domínio da barbárie, mas ainda quando comemora, no nosso caso, 100 anos de existência (sic). Continua válida a observação de Adorno ao nos lembrar que o mundo da cultura existe para que as pessoas se desacostumem de mutuamente se acotovelarem. Estamos numa Universidade, não no regime dos seringais, em que divergências eram emudecidas e resolvidas a chumbo. O espaço acadêmico, a despeito de nele transitarem intelectuais de variadas cepas ― do funcional e áulico, passando pelo cínico (de baixa extração, não diogeniano, portanto) até o que, segundo a definição gramsciana, se vincula organicamente às lutas dos subalternizados — deveria, no mínimo de suas sobreguardas, garantir a todos a liberdade de divergir sem que ninguém em razão desse salutar e necessário exercício tivesse que fazer par ao destino que tiveram Sócrates, Boécio, Giordano Bruno, Gramsci, Trotski, dentre outros.

José Alcimar de Oliveira, Departamento de Filosofia da UFAM.

1 thought on “A BARBÁRIE EM CURSO…

  1. José Alcimar de Oliveira *

    O exemplo de Paulo Henrique Amorim, um jornalista que construiu sua profissão com as letras da dignidade, do compromisso com a justiça, nos indica que a vida verdadeira e a busca pela verdade é o caminho de quem não vendeu a alma ao poder, a nenhuma forma de poder, econômico, político, religioso. Hoje, no Brasil, está cada vez mais desinibido o poder do mal, da mentira, da intolerância. Se a extrema direita, que engoliu a direita dita democrática, está hoje tão desinibida – e me lembro que alguns anos atrás o grande Chico de Oliveira já nos havia avisado sobre isso – é porque nós de algum modo nos inibimos e recuamos, permitindo a naturalização da barbárie e, para usar a clássica expressão de Hannah Arendt, nos acostumando à banalidade do mal. Uma forma de restaurar a racionalidade ou o que é razoável é nomear as coisas com seus nomes próprios, dizer, com a coragem e a transparência da criança, que o rei está nu.

    *Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas e filho dos rios Solimões e Jaguaribe

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