QUANDO A MORTE RONDA O FUNCIONÁRIO PÚBLICO
“Sei que tudo pode me acontecer. Mas é a mim que acontecerá, pois todo acontecimento é o meu acontecimento”, afirma o filósofo Sartre, sobre a condição existencial do homem como um ser livre, e responsável por suas escolhas. Na história, tudo é do homem, tudo é realidade humana. “Tudo que é do homem não me é estranho”, disse o filósofo Marx.
O homem como produtor de cultura disseminou suas produções científicas, estéticas e filosóficas em todos os territórios sociais como enunciações de valores. O mundo como objetividade verdadeira.
Assim como criou instrumentos de trabalho, moradia, artesanato, armas, religiões, indumentária, criou hábitos alimentares que alteraram seu código básico biológico. Fixando-se à vida sedentária como criador de animais, fazendo da carne seu alimento, sua bio/genética se alterou, e com ela surgiram algumas enfermidades. Assim, de acordo com os transcursos históricos e o consumo de outros alimentos, novas enfermidades. Somada a vida alimentar/sedentária, mais a sociedade industrializada, uma nova enfermidade se manifestou: os transtornos afetivos, como a ansiedade, depressão, fobias, entre outras. O que lhe leva à maior preocupação com sua saúde existencial.
A MORTE DE UM FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Nas culturas, mortes não são mistérios, são produções do homem. Morre-se de múltiplas causas. Mas a maioria das mortes nas sociedades industrializadas é produto dos atos dos homens que não encontram relação com Políticas Públicas e administração pública. E não é por acaso que há uma profunda distância entre uma administração democrática e uma administração tirânica.
Na administração democrática, seus dirigentes orientam suas políticas administrativas em entrelaçamento com os funcionários, e estes, com a população que faz uso dos serviços desta instituição, cuja idéia funcional é exatamente esta população. A eficácia democrática do serviço público.
Na administração tirânica, os dirigentes centralizam suas decisões, que seguem os modelos de suas inseguranças pessoais. Tratam os funcionários com ameaças, e, consequentemente, a funcionalidade da instituição imobilizada na direção que, supersticiosamente, imagina ter poder, chega à população como violência.
Desta forma, enquanto na democrática os funcionários agem em fluxos livres, com facilidade para lidar com qualquer situação, mesmo as mais difíceis, na tirânica, os funcionários se sentem aprisionados na ordem ditatorial que emana da direção, que estabelece um estado de tensão disfuncional prolongado até o meio familiar. Entra-se no círculo dos fatores paranóicos. Até mesmo os da doce servidão: os capachos.
UM CASO PARACLÍNICO
Tereza Guedes de Oliveira era funcionária da Fundação Medicina Tropical, com mais de 30 anos de serviço. Durante seus percursos de funcionária, ocupou alguns cargos. Como todo trabalhador, Tereza elaborava seus gastos domésticos de acordo com seu salário; entre estes gastos estavam incluídos seus dois filhos. Tereza era hipertensa, e, como é sabido, a hipertensão tem seus fatores de desencadeamentos de picos hipertensivos, entre eles, situação de desespero.
Embora tenha sido informada da demissão do cargo de confiança, sem justificativa, Tereza levou um susto ao ver a quanto tinha sido reduzido seu salário. Mas o que causou maior dor em Tereza foi a forma como fora demitida: jamais fora chamada para conversar. A partir daí, formou-se um quadro afetivo de ansiedade e dor. Não sabia lidar com suas perdas, que atingiram seus fluxos afetivos. O mundo de Tereza perdeu seus referencias ontológicos. Domingo, dia 5 de abril, teve um AVC. Foi internada na UTI do Hospital Tropical. Antes de entrar em estado de morte cerebral, disse à sua irmã: “Olha o que eles fizeram comigo”. Ontem, domingo, dia 12 de abril, Tereza morreu.
O que aconteceu com Tereza despertou em outros funcionários da instituição a revolta contra as condições de trabalho que, para eles, enquanto a direção se orgulha do aparato técnico material da Fundação, falta o essencial: a presença ontológica da ética criadora de afetos capazes de aumentar a alegria produtiva do servidor público. A intensidade democrática que passa na relação com a população.
Corrigindo:
Tereza de Jesus Guedes, era funcionária da esta fundação de Medicina Tropical do Amazonas desde 1982, na época em que o diretor chamava-se Wilson Alecrim. Seu chefe era Carlos Tavares (1997), nesse período, o mesmo mudou Tereza de setor. Achando injustiçada, Graça Alecrim a lotou-a no setor de malária.
Em 2004, José Carlos Ferraz, assumiu a direção e a convidou para trabalhar no setor de virologia. Em 2006, mudou-se novamente a direção, assumindo então: Sinésio Talhares.
Tereza atendia pacientes que procurava o atendimento de saúde do Hospital, o médico que os atendiam chamara Flamir, que, com o passar do tempo assumiu uma das direções da UNIMED e passou a ministrar aula na UEA e UFAM, tornando assim um trabalho difícil para Tereza passar, adiar e até cancelar consultas médicas.
Com os pacientes, Tereza ganhou muito respeito e consideração, era adorada por todos, eu como seu filho, não entendia tanto carinho… Até porque além dela trabalhavam duas moças, com o mesmo intuito de resolver a vida desses pacientes doentes, que ambas não faziam, tratavam mal e ainda se sentiam injustiçadas por não receber o carinho que Tereza recebia. Tereza, minha mãe dizia: “Elas não tratam bem os meus pacientes, elas me invejam, não confio nelas. Mesmo trabalhando juntas”.
Em fevereiro de 2009, sem ao menos lhe informar, Tereza tomou um enorme susto, fora sido retirada de seu salário uma quantia alta que sustentava a casa e o futuro dos filhos. Uma decisão tomada por calunia sem ao menos ser ouvida.
Essa perda afetou a emoção de Tereza, destruindo o espetáculo no palco da vida, onde ela era a protagonista da cena, virando expectadora… Expectadora de percas irreparável.
Tereza era forte, agüentou aquilo sozinha, fazia empréstimos para não parecer nada para seus filhos e familiares. Até que um dia não conseguia mais esconder… Nem de si mesma. Dia 05 de Abril, Tereza tem um AVC Isquêmico, foi internada na UTI do seu lugar de trabalho por 30 anos. Antes que seu estado se tornasse morte cerebral, Tereza disse com essas mesmas palavras à sua irmã: “Olha o que eles fizeram comigo, agora eles vão pagar!”. Essas foram às últimas palavras de Tereza. No dia 12 de Abril, no domingo de páscoa, Tereza faleceu, levando nossos corações…
Infelizmente essa triste realidade aconteceu em minha familia, talvez tenha acontecido em outras famílias na qual não teve a mesma repercussão.
A grande relevância de toda essa situação é que em pleno século XXI, inúmeros trabalhadores ainda são considerados apenas como máquinas operárias, sem sentimentos, emoções, tristezas ou felicidades. Esse é o grande erro de inúmeras empresas e sobretudo da administração pública. Minha tia foi mais uma vítima do famoso assédio moral, pois foi submetida a uma situação humilhante e constrangedora enquanto desempenhava suas atribuições na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas.
Suncitamente vamos ao caso, minha tia trabalhava no Hospital Tropical há cerca de 27 anos, durante todo esse tempo desempenhou inúmeras atribuições da melhor forma possível, muitas das vezes se sobrecarregando para dar conta do trabalho, sendo ausente com seus familiares e até filhos em virtude de grande sacríficio para manter o padrão de atendimento no Hospital e em particular no seu setor.
Como já foi salientado, em fevereiro de 2009 lhe foi tirado uma grande parte do seu salário, ou seja, sua função gratificadora. Esse foi o grande problema, a forma que esta foi retirada, sem qualquer cautela, sem qualquer pingo de ética e respeito pelo profissional, sendo até difamada e caluniada, por seu imediato, seus objetos pessoais foram retirados de sua sala sem seu consentimento e expostos pelo corredor. Essa foi uma triste realidade vivida por minha tia.
O lamentavel de tudo isso é que minha tia jamais voltará, e a pessoa que fez isso, poderá fazer novamente. Este foi o fim de uma pessoa assídua com suas obrigações, pontual, determinada, alegre, e que fazia tudo pelo seus pacientes. Este foi o prêmio que minha tia ganhou por ter determinado 27 anos da sua vida em prol de um sonho, uma utopia, que é um atendimento decente e humanitário para todos pacientes. Infelizmente á própria foi vítima de atos desumanos, atos que lhe custaram a vida, seu bem mais precioso, e no final, o príncipio da dignidade humana esculpido em nossa constituição não passa de utopia, na qual o próprio sistema não obedece, o próprio sistema não zela por seus funcionários, por seus trabalhadores. Como construir uma Brasil melhor, um Amazonas melhor, uma Manaus melhor, se fatos elementares como esse ainda continuam acontecendo, e lamentávelmente ainda tornarão a acontecer.
Diante de toda essa situação só me restarão saudades de alguém que durante toda sua vida estava com sua fé inabalável, estava com sua garra em seu ápice e sua moral intocável, seu nome ” Tereza de Jesus Guedes de Carvalho” descanse em paz.
DESABAFO DE DANIEL GUEDES DE CARVALHO (SOBRINHO)