O TESTAMENTO DE JUDAS 2009
Olha eu de novo aqui, gente!, “perturbando a paz, exigindo o troco” (Paulo Cesar Pinheiro/Maurício Tapajós)! Eu, Judas Iscariotes! Eu, Judas, sempre renovado pelos viés da história, novíssimo para ler meu testamento a quem de direito.
Não me querem? Fogem de mim como se foge do Diabo, por isso me malham no sábado da Aleluia? Se não me querem, liberem Cristo de Paulo, e eu de Cristo. Sem Paulo, Cristo é libertado, e, consequentemente, eu também. Não traí Cristo. Não precisava mostrar com um beijo, aos sacerdotes e aos romanos quem era Cristo. Cristo era por demais conhecido de todos, eu não precisava mostrá-lo. E ainda mais, por que sujar o beijo? A quem interessava macular um encontro entre duas superfícies sensórias que compõem a singeleza do beijo, se não os verdadeiros assassinos de Cristo?
Não traí Cristo. Cometi um terrível engano quanto a sua potência de vida libertadora. Como não havia ainda lido Karl Marx, eu não sabia da dialética. Não sabia que para fazer qualquer tipo de revolução é preciso conhecer o método: “Apropriar-se da matéria em pormenor, analisar todas as suas diversas formas de desenvolvimento e descobrir todos os seus elos internos”. E só depois deste trabalho realizado que o movimento real pode ser exposto. Quando se consegue isto, quando a vida da matéria se reflete nas idéias, podemos julgar que estamos perante uma construção ‘a priori’.” Nada disto era de meu conhecimento. Foi por isto que não entendi que ele, Cristo, só tinha um objetivo como “o mais doce, o mais amoroso” (Nietzsche/Deleuze): libertar a alma individual dos homens aprisionada na alma coletiva tirânica dos sacerdotes e dos poderosos romanos, cuja idéia maldita era o Poder. Não entendi, como um revolucionário ingênuo que era, como eram os socialistas utópicos Saint Simon, Blanc e Fourier, que a mudança se dá pela forma dialética no entendimento do aprisionamento individual de cada homem. Só depois, no século XIX, lendo o filósofo Nietzsche, que aprendi que Cristo não queria o Poder que perseguiam o Império Romano e os sacerdotes judeus, com a culpa judaica por terem morto Moisés, e por isso queriam que Cristo fosse Moisés ressuscitado.
Cristo não queria ser chefe, mestre, comandante de homens. O que ele pretendia, e pretende, é que cada homem, liberto em si mesmo, possa tornar-se uma individuação e criar, como intensidade produtiva, uma sociedade em que todos possam ser, poieticamente, criadores de bens comuns.
Mas eu nada entendia. Queria que ele se unisse ao nosso próprio propósito político. Queria que ele fosse o grande comandante de nossa revolução. Não sabia que um homem livre não precisa de herói, como depois aprendi com o teatrólogo Brecht. O homem não precisa de um juiz para julgar seus atos e sutilmente dominá-lo. Nada dista era de Cristo, que só pretendia acabar com poder de julgar dos sacerdotes e dos romanos. Não queria a doutrina do juízo, como depois foi instituída por Paulo, usando seu nome. Como muito bem nos mostrou Nietzsche, ao afirmar que “São Paulo contentou-se em deslocar o centro de gravidade de toda esta existência para trás desta existência. (…) No fundo, a vida do redentor não podia ser-lhe de nenhuma utilidade, ele precisava da morte na cruz e de algo mais…” O mesmo, o Apocalipse ao transfigurar o amor de Cristo, em juízo de ódio: “E vi tronos, e aos que neles se assentaram foi dado o poder de julgar”. Nada disto era Cristo. Sua Boa Nova, seu evangelho, não pregava a culpa, a punição, a recompensa, a morte e a imortalidade, como pregam os disangelistas cultuadores da má notícia que sustenta a doutrina do julgamento.
Então, minha gente, se vocês querem que eu desapareça de vez por toda, libertem Cristo de Paulo, que assim é desfeita a idéia da má consciência, do ressentimento e do ideal ascético, porque eu, Judas Iscareotes, não existirei mais. Pois, como afirma o escritor D.H. Lawrence, o principal personagem do cristianismo de Paulo sou eu, Judas. “Não vedes que é o príncipe de Judas que adorais de fato? Judas é o verdadeiro herói, sem Judas todo o drama seria um fracasso… Quando as pessoas dizem Cristo, querem dizer Judas. Nele encontram um gosto saboroso…”, diz ele.
É preciso que eu seja o traidor para que Paulo, por seu ideal, pregue Cristo na cruz para que a doutrina da dor permaneça, e o homem continue o pecador/devedor que nunca consegue pagar sua dívida. Dívida que ele não contraiu.
Todavia, minha adorada e reconhecedora gente, se vocês não liberarem Cristo, e acreditarem que podem continuar a malhar Judas, malhem. Pois, como diz o filósofo Baudrillard, eu, historicamente já fui desrealizado. Não existo no tempo real da malhação. A memória da culpa não me ativa. Hoje, sou um anedótico simulacro que serve par animar a festa de Páscoa. E isto é muito bom. É bom ver o povo em festa, brincando, bebendo, comendo, e as crianças soltas em suas criativas fuzarcas. Eu adoro saber que a imagem desrealizada de mim serve para alegrar meus irmãos. Portanto, neste sábado, vamos brincar. Vamos ‘piar’ a Aleluia.
Agora vamos ao meu testamento. Como vocês sabem, sou uma figura do viés da história, e, como um viés, absorvi valores culturais bons e maus. Assim, posso distribuí-los entre os homens. Aos que considero maus, inimigos da felicidade democrática, deixo-lhes presentes de valores maus. Aos que considero amigos da sociedade democrática, deixo-lhes presentes bons, que aumentam a potência de agir necessária para a contínua produção de democracia.
O TESTAMENTO
Ao prefeito Amazonino
Cassado junto com seu vice
Deixo a justiça democrática
Da juíza Maria Eunice.
À juíza Maria Eunice, sendo
Eunice, em grego, Bela Vitória
Deixo seu nome gravado
No patamar da história.
Ao governador Eduardo Braga
Que faz da sede da Copa obsessão
Deixo o mapa do Amazonas
Com a miséria do povão.
Para o PT de Manaus
Que corruptela de revolução
Deixo o ideal reacionário
Do deputado Belão.
Ao cassado Amazonino
Sofrendo de amnésia eleitoral
Deixo o método para memória
“O Povo desfaz o mal”.
Para a reacionária Folha de São Paulo
Que sonha levar à presidência Serra
Deixo o hit parade popular
“Dilma, a força que o povo eleva.”
Ao insigne delegado Protógenes
Revelador de Daniel Dantas em seus crimes capitais
Deixo a medalha de ouro
“Brasil, corrupção nunca mais!”
Ao senador José Sarney
Eterno presidente do Senado
Deixo o reino imortal
“Morada do enganado”
Ao invejoso Fernando Henrique
Democrata do absurdo
Deixo o livro real
“Memórias de um Sapo Barbudo”
Para o senador Arthur Neto
Do PSDB o Agripino
Deixo a “Provinha Brasil”
Para dar adeus ao menino
Ao senador Agripino
Do PFL o Arthur Neto
Deixo a lógica de Aristóteles
Para ser democrata correto
Deixo ao jornalista Mainardi
Retrógrado texto da Veja
O ódio de ver realizado
O contrário que a Lula deseja
Ao jornalista Reinaldo
Onde a inteligência política não tem vez
Deixo as notas macabras
Da mídia da insensatez
Deixo à direita raivosa
Cujo ‘amor’ é conspirar
Um pedaço de minha corda
Para feliz se enforcar
À anestesiada Rede Globo
Audiovisual conspirador
Deixo o projeto político/social
Como acabar com o predador
Ao Movimento LGBT
Que luta por seus direitos sociais
Deixo a democracia real
Para poder gozar em paz
Para todas as religiões Afro
Com suas entidades, cantos e cores
Deixo a liberdade de culto
Para tocarem seus tambores
Deixo ao Paulo Henrique Amorim
Do Blog Conversa Afiada
A certeza política que Gilmar Mendes
É pura conversa fiada
Ao arigó Carlinhos Medeiros
Do Blog Bodega Cultural
Deixo meu estúdio completo
A seu talento político/musical
Deixo à trepidante La Pasionária
Do Blog Metropolitano
O intempestivo Dionísio
Criador do belo insano
Ao companheiro Morcego Vermelho
Que do cyber space está distante
Deixo minha Rede Net
à sua criação instigante
Ao Blog Malfazejo
Herdeiro de Ismael Benigno
Deixo o Boca do Inferno
Para traçar político indigno
Ao Boris Casoy
Transformador da vergonha em clichê
Deixo o Clip de seu passado
Envergonhado em lhe ver na TV
Ao companheiro, Tedeia
Do Blog Prática Radical
Deixo a esquerda latina
Como matéria ideal
À turma dos Sivuqueiros
Pavor da mídia sequelada
Deixo mais Blogs lutando
Pela informação libertada
À companheira Cássia
Do Blog Tem (Quase) de Tudo
Deixo poemas e contos
Do mundo que não me iludo
Ao companheiro Mello
Cujo Blog tem seu nome
Deixou uma outra maré
Para tirar o Rio da fome
Ao companheiro Azenha
Do Blog Vi o Mundo
Deixo fatos reais
Que não enganam Raimundo
Aos companheiros do Movimento Negro
Cuja luta é verdadeira escola
Deixo livre suas terras griladas
Para criar Quilombola
Às companheiras prostitutas “As Amazonas”
Guerreiras contra os exploradores
Deixo o certificado de utilidade pública
Negado pelos covardes vereadores
Ao companheiro Nassif
Músico economista
Deixo a minha transversal flauta
Para perturbar direitista
Deixo ao resistente jornalista Mino Carta
Cujo blog tirou da virtualização
Um aforismo de Nietzsche:
“A inimizade é o triunfo da nossa espiritualização”.
Aos companheiros índios
Violentados pelo choque cultural
Deixo meus arcos e flechas
Para reconquistarem sua terra natural
Agora, para finalizar
Esta entrega de presente
Deixo ao companheiro Lula
Dilma como presidente!
Assim, caro cristão
Termino meu Testamento
Se você não entrou nele
Outra aleluia será seu momento
Beijos liberados!
Obrigado, ao pessoal do Filosofia Itinerante e ao judas amigo. Estou deveras precisando deste material.
Um abraço.
E para o Dantas, deixe a Dupla Protógenes e De Sanctis!
Valeu Carlinhos,
o importante é que a contingência do material não reduz a potência do trabalho democrático que você realiza. Abraços!
Especialmente para o Andre:
“Para o banqueiro Daniel Dantas
Que rouba do público como quer
Deixo Protógenes e De Sanctis
E a lucidez do companheiro Andre.”
Ah, que testamento primoroso! Quase gozei aqui no teu texto. Agradeço ao Judas pela dedicação e, claro, pelo texto(ou textos) que sempre enriquece(m) a minha mente paupérrima.