o-beijo-de-judas

Olha eu de novo aqui, gente!, “perturbando a paz, exigindo o troco” (Paulo Cesar Pinheiro/Maurício Tapajós)! Eu, Judas Iscariotes! Eu, Judas, sempre renovado pelos viés da história, novíssimo para ler meu testamento a quem de direito.

Não me querem? Fogem de mim como se foge do Diabo, por isso me malham no sábado da Aleluia? Se não me querem, liberem Cristo de Paulo, e eu de Cristo. Sem Paulo, Cristo é libertado, e, consequentemente, eu também. Não traí Cristo. Não precisava mostrar com um beijo, aos sacerdotes e aos romanos quem era Cristo. Cristo era por demais conhecido de todos, eu não precisava mostrá-lo. E ainda mais, por que sujar o beijo? A quem interessava macular um encontro entre duas superfícies sensórias que compõem a singeleza do beijo, se não os verdadeiros assassinos de Cristo?

Não traí Cristo. Cometi um terrível engano quanto a sua potência de vida libertadora. Como não havia ainda lido Karl Marx, eu não sabia da dialética. Não sabia que para fazer qualquer tipo de revolução é preciso conhecer o método: “Apropriar-se da matéria em pormenor, analisar todas as suas diversas formas de desenvolvimento e descobrir todos os seus elos internos”. E só depois deste trabalho realizado que o movimento real pode ser exposto. Quando se consegue isto, quando a vida da matéria se reflete nas idéias, podemos julgar que estamos perante uma construção ‘a priori’.” Nada disto era de meu conhecimento. Foi por isto que não entendi que ele, Cristo, só tinha um objetivo como “o mais doce, o mais amoroso” (Nietzsche/Deleuze): libertar a alma individual dos homens aprisionada na alma coletiva tirânica dos sacerdotes e dos poderosos romanos, cuja idéia maldita era o Poder. Não entendi, como um revolucionário ingênuo que era, como eram os socialistas utópicos Saint Simon, Blanc e Fourier, que a mudança se dá pela forma dialética no entendimento do aprisionamento individual de cada homem. Só depois, no século XIX, lendo o filósofo Nietzsche, que aprendi que Cristo não queria o Poder que perseguiam o Império Romano e os sacerdotes judeus, com a culpa judaica por terem morto Moisés, e por isso queriam que Cristo fosse Moisés ressuscitado.

Cristo não queria ser chefe, mestre, comandante de homens. O que ele pretendia, e pretende, é que cada homem, liberto em si mesmo, possa tornar-se uma individuação e criar, como intensidade produtiva, uma sociedade em que todos possam ser, poieticamente, criadores de bens comuns.

Mas eu nada entendia. Queria que ele se unisse ao nosso próprio propósito político. Queria que ele fosse o grande comandante de nossa revolução. Não sabia que um homem livre não precisa de herói, como depois aprendi com o teatrólogo Brecht. O homem não precisa de um juiz para julgar seus atos e sutilmente dominá-lo. Nada dista era de Cristo, que só pretendia acabar com poder de julgar dos sacerdotes e dos romanos. Não queria a doutrina do juízo, como depois foi instituída por Paulo, usando seu nome. Como muito bem nos mostrou Nietzsche, ao afirmar que “São Paulo contentou-se em deslocar o centro de gravidade de toda esta existência para trás desta existência. (…) No fundo, a vida do redentor não podia ser-lhe de nenhuma utilidade, ele precisava da morte na cruz e de algo mais…” O mesmo, o Apocalipse ao transfigurar o amor de Cristo, em juízo de ódio: “E vi tronos, e aos que neles se assentaram foi dado o poder de julgar”. Nada disto era Cristo. Sua Boa Nova, seu evangelho, não pregava a culpa, a punição, a recompensa, a morte e a imortalidade, como pregam os disangelistas cultuadores da má notícia que sustenta a doutrina do julgamento.

Então, minha gente, se vocês querem que eu desapareça de vez por toda, libertem Cristo de Paulo, que assim é desfeita a idéia da má consciência, do ressentimento e do ideal ascético, porque eu, Judas Iscareotes, não existirei mais. Pois, como afirma o escritor D.H. Lawrence, o principal personagem do cristianismo de Paulo sou eu, Judas. “Não vedes que é o príncipe de Judas que adorais de fato? Judas é o verdadeiro herói, sem Judas todo o drama seria um fracasso… Quando as pessoas dizem Cristo, querem dizer Judas. Nele encontram um gosto saboroso…”, diz ele.

É preciso que eu seja o traidor para que Paulo, por seu ideal, pregue Cristo na cruz para que a doutrina da dor permaneça, e o homem continue o pecador/devedor que nunca consegue pagar sua dívida. Dívida que ele não contraiu.

Todavia, minha adorada e reconhecedora gente, se vocês não liberarem Cristo, e acreditarem que podem continuar a malhar Judas, malhem. Pois, como diz o filósofo Baudrillard, eu, historicamente já fui desrealizado. Não existo no tempo real da malhação. A memória da culpa não me ativa. Hoje, sou um anedótico simulacro que serve par animar a festa de Páscoa. E isto é muito bom. É bom ver o povo em festa, brincando, bebendo, comendo, e as crianças soltas em suas criativas fuzarcas. Eu adoro saber que a imagem desrealizada de mim serve para alegrar meus irmãos. Portanto, neste sábado, vamos brincar. Vamos ‘piar’ a Aleluia.

Agora vamos ao meu testamento. Como vocês sabem, sou uma figura do viés da história, e, como um viés, absorvi valores culturais bons e maus. Assim, posso distribuí-los entre os homens. Aos que considero maus, inimigos da felicidade democrática, deixo-lhes presentes de valores maus. Aos que considero amigos da sociedade democrática, deixo-lhes presentes bons, que aumentam a potência de agir necessária para a contínua produção de democracia.

O TESTAMENTO

Ao prefeito Amazonino

Cassado junto com seu vice

Deixo a justiça democrática

Da juíza Maria Eunice.

À juíza Maria Eunice, sendo

Eunice, em grego, Bela Vitória

Deixo seu nome gravado

No patamar da história.

Ao governador Eduardo Braga

Que faz da sede da Copa obsessão

Deixo o mapa do Amazonas

Com a miséria do povão.

Para o PT de Manaus

Que corruptela de revolução

Deixo o ideal reacionário

Do deputado Belão.

Ao cassado Amazonino

Sofrendo de amnésia eleitoral

Deixo o método para memória

O Povo desfaz o mal”.

Para a reacionária Folha de São Paulo

Que sonha levar à presidência Serra

Deixo o hit parade popular

Dilma, a força que o povo eleva.”

Ao insigne delegado Protógenes

Revelador de Daniel Dantas em seus crimes capitais

Deixo a medalha de ouro

Brasil, corrupção nunca mais!”

Ao senador José Sarney

Eterno presidente do Senado

Deixo o reino imortal

Morada do enganado”

Ao invejoso Fernando Henrique

Democrata do absurdo

Deixo o livro real

Memórias de um Sapo Barbudo”

Para o senador Arthur Neto

Do PSDB o Agripino

Deixo a “Provinha Brasil”

Para dar adeus ao menino

Ao senador Agripino

Do PFL o Arthur Neto

Deixo a lógica de Aristóteles

Para ser democrata correto

Deixo ao jornalista Mainardi

Retrógrado texto da Veja

O ódio de ver realizado

O contrário que a Lula deseja

Ao jornalista Reinaldo

Onde a inteligência política não tem vez

Deixo as notas macabras

Da mídia da insensatez

Deixo à direita raivosa

Cujo ‘amor’ é conspirar

Um pedaço de minha corda

Para feliz se enforcar

À anestesiada Rede Globo

Audiovisual conspirador

Deixo o projeto político/social

Como acabar com o predador

Ao Movimento LGBT

Que luta por seus direitos sociais

Deixo a democracia real

Para poder gozar em paz

Para todas as religiões Afro

Com suas entidades, cantos e cores

Deixo a liberdade de culto

Para tocarem seus tambores

Deixo ao Paulo Henrique Amorim

Do Blog Conversa Afiada

A certeza política que Gilmar Mendes

É pura conversa fiada

Ao arigó Carlinhos Medeiros

Do Blog Bodega Cultural

Deixo meu estúdio completo

A seu talento político/musical

Deixo à trepidante La Pasionária

Do Blog Metropolitano

O intempestivo Dionísio

Criador do belo insano

Ao companheiro Morcego Vermelho

Que do cyber space está distante

Deixo minha Rede Net

à sua criação instigante

Ao Blog Malfazejo

Herdeiro de Ismael Benigno

Deixo o Boca do Inferno

Para traçar político indigno

Ao Boris Casoy

Transformador da vergonha em clichê

Deixo o Clip de seu passado

Envergonhado em lhe ver na TV

Ao companheiro, Tedeia

Do Blog Prática Radical

Deixo a esquerda latina

Como matéria ideal

À turma dos Sivuqueiros

Pavor da mídia sequelada

Deixo mais Blogs lutando

Pela informação libertada

À companheira Cássia

Do Blog Tem (Quase) de Tudo

Deixo poemas e contos

Do mundo que não me iludo

Ao companheiro Mello

Cujo Blog tem seu nome

Deixou uma outra maré

Para tirar o Rio da fome

Ao companheiro Azenha

Do Blog Vi o Mundo

Deixo fatos reais

Que não enganam Raimundo

Aos companheiros do Movimento Negro

Cuja luta é verdadeira escola

Deixo livre suas terras griladas

Para criar Quilombola

Às companheiras prostitutas “As Amazonas”

Guerreiras contra os exploradores

Deixo o certificado de utilidade pública

Negado pelos covardes vereadores

Ao companheiro Nassif

Músico economista

Deixo a minha transversal flauta

Para perturbar direitista

Deixo ao resistente jornalista Mino Carta

Cujo blog tirou da virtualização

Um aforismo de Nietzsche:

A inimizade é o triunfo da nossa espiritualização”.

Aos companheiros índios

Violentados pelo choque cultural

Deixo meus arcos e flechas

Para reconquistarem sua terra natural

Agora, para finalizar

Esta entrega de presente

Deixo ao companheiro Lula

Dilma como presidente!

Assim, caro cristão

Termino meu Testamento

Se você não entrou nele

Outra aleluia será seu momento

Beijos liberados!

4 thoughts on “O TESTAMENTO DE JUDAS 2009

  1. Valeu Carlinhos,
    o importante é que a contingência do material não reduz a potência do trabalho democrático que você realiza. Abraços!

    Especialmente para o Andre:
    “Para o banqueiro Daniel Dantas
    Que rouba do público como quer
    Deixo Protógenes e De Sanctis
    E a lucidez do companheiro Andre.”

  2. Ah, que testamento primoroso! Quase gozei aqui no teu texto. Agradeço ao Judas pela dedicação e, claro, pelo texto(ou textos) que sempre enriquece(m) a minha mente paupérrima.

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