AS CIÊNCIAS NO CASO DA MENINA INDÍGENA QUE TEVE A PERNA PICADA POR COBRA

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No início de janeiro deste ano, uma índia de 12 anos, pertencente a uma aldeia da etnia Tukano, do São Gabriel da Cachoeira, deu entrada no Hospital João Lúcio por ter sido picada na perna por uma cobra jararaca. No dia 13 de janeiro, parentes da menina ligaram para o Ministério Público Federal no Amazonas relatando que no dia seguinte (14) seria feita, às 8h da manhã a amputação da perna por cirurgia, devido à perna apresentar necrose irreversível, segundo médicos. Como os índios parentes da menina eram contra a amputação devido a determinadas crenças indígenas, imediatamente procuradores do MPF/AM visitaram a menina e recomendaram expressamente que nenhuma intervenção cirúrgica fosse realizada sem que lhes fosse comunicada. E, no dia 15, o MPF/AM recomendou ao hospital que permitisse paralelamente ao tratamento médico o tratamento por práticas tradicionais de saúde tukanas, conforme recomenda a Constituição Federal, a convenção 169 da OIT e a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.

Em recomendação, o MPF orientou a direção do hospital que garantisse um quarto individual para que o tratamento indígena fosse feito junto com a terapia médica comum; que fosse permitido o livre acesso e a permanência no hospital de um pajé e seus assistentes; respeito aos métodos medicinais do pajé, assim como alguns pedidos feitos por ele, como a proibição da entrada de mulheres grávidas e menstruadas no quarto.”

Como os familiares da menina perceberam resistência do Hospital João Lúcio em cumprir o recomendado, retiraram-na de lá e transferiram-na ao Hospital Universitário Getúlio Vargas. A menina, que estava subnutrida e com parte da perna acometida de necrose, passou a ser tratada pela medicina alopática à base de antibióticos e outros medicamentos e por rituais e medicamentos tradicionais indígenas. A partir daí a menina passou a melhorar até mais rapidamente do que o previsto pelos médicos. Até sua alta ontem, dando continuidade com os tratamentos agora somente em casa.

MEDICINA INSTITUÍDA E MEDICINA INDÍGENA

O que escapa desse caso para uma discussão ético-científica medicinal é o embate que houve entre dois saberes separados pelo discurso oficial e pela pragmática constituída. De um lado, uma medicina científica, baseada em técnicas estudadas especializadamente, utilizando instrumentos especiais e medicações quimicamente formuladas e produzidas. De outro, uma medicina muito mais antiga, repassada continuamente durante toda a existência de um indígena, acompanhada de crenças milenares, com medicações produzidas naturalmente, tão científica quanto a outra.

O caso aparece como prática de resistência da medicina popular e indígena diante da medicina constituída oficialmente. Há um certo momento de imposição de um saber considerado “científico”, que passa a atuar como se tivesse se auto-originado, como se não tivesse advindo das relações entre homens em culturas vivificantes de conhecimentos, como as dos chamados índios e negros, por exemplo. É aí que saberes como a medicina operam a separação entre especialistas (médicos “donos da vida”) e a população, destituindo esta de seus saberes que poderiam ajudar aquela em muitos casos que a ciência oficial não compreende e não consegue resolver isolada do mundo, como salienta a procuradora Luciana Portal Gadelha:

O sucesso do ‘diálogo intercultural’ depende de uma efetiva tentativa de comunicação entre as partes (família, pajé e equipe médica do hospital), sem compreensões e visões de mundo pré-definidas, colocando-se cada qual no lugar do outro, ou seja, diálogo com o pressuposto da igualdade entre as culturas indígenas e do homem branco ocidental.”

Leia aqui na íntegra a notícia do MPF/AM.

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