FILOSOFIA COM CRIANÇAS — ACONTECIMENTO E EXPERIÊNCIA
No senso comum, naquele onde não se formou a suspeita, a filosofia sempre foi entendida como uma jóia bizarra, ou como mister dos deuses do pensamento, mas sempre como um ponto bem centrado no eixo da incompreensão. Se no primeiro caso serve até para ditadores acreditarem que a aprisionam, no segundo se presta ao glamour da vaidade-ignorante. Desta forma, a quimera passa, promovida pelos apedeutas filosóficos, como categorias sensorial e intelectiva.
Quando na chamada pós-modernidade a filosofia passou a ser designada como de interesse das crianças, aí que a bizarria e a vaidade exacerbaram-se. Alguns pais representantes da classe média, com seus entendimentos de mundo compostos de amenidades próprias da subjetividade burguesa, passaram a inscrever seus filhos em cursos de filosofia, e da mesma forma, que em seus suspiros anêmicos, comentavam em reuniões entre amigos, a última sessão psicanalista, também comentavam que os filhos estavam estudando filosofia. Comentário por si mesmo irracional, pois os filhos se encontravam ouvindo de seus “mestres” anedotas filosóficas deslumbrantes do tipo “Alegoria da Caverna” de Platão.
Chegada a década de 60, esta bizarria vaidosa começou a perder fôlego, foi quando o professor norte-americano, Matthew Lipman, influenciado profundamente pelo pensamento pragmático de John Dewey, lançou seu Programa de Filosofia Para Crianças, que logo ficou conhecido. Este programa, que apresenta algumas novelas, onde os personagens são crianças com discursos dirigidos a outras crianças das mesmas faixas etárias, procura criar situações próprias de suas existências, constituindo-se como um conceito de experiência filosófica. Dado seu suporte pedagógico interrogativo, recebeu o nome de “Comunidade de Indagação”. Em si mesmo, um conceito de experiência que leva a criança a formular, por ação do pensamento, a sua própria formação de indivíduo.
Pois bem, foi então que, partindo de Lipman, mas não aceitando seu conceito de experiência, e sim, “de pensar problemas e, sobretudo, de desenvolver certas intuições que o trabalho filosófico com crianças apresenta e os problemas que lhe são concomitantes”, que o filósofo argentino Maximiliano Valério López, Especialista em Ensino de Filosofia, mestre em Educação, professor da Universidade Federal Fluminense, membro do Núcleo de Estudos Filosóficos da Infância (NEFI), coordenador do projeto “Filosofia com crianças na escola pública, em Mendoza, Argentina, e coordenador do Projeto “Filosofia com crianças nas escolas públicas do noroeste fluminense”, escreveu a obra Acontecimento e Experiência no Trabalho Filosófico com Crianças composta de 106 páginas e publicada, em 2008, pela Editora Autêntica.
DO LIVRO E PARA ALÉM DO LIVRO
O estudo, e a práxis filosófica, de Maximiliano, enunciado como “filosofia com crianças”, entrelaça-se e emerge dos problemas tecidos como enunciações filosóficas de Nietzsche, Foucault e Deleuze, que o conduzem à concepção do “conceito de experiência trágica”, distinto do conceito da poética da tragédia grega. Embora próximo quando do limiar criador apolíneo e dionisíaco apresentados pelos alemães Shelling, Hegel, Holderlin, Schopenhauer e Nietzsche.
Para tecer seu propósito filosófico, o autor toma como elemento móvel três momentos: O primeiro mostra Kant pela Crítica do Juízo, o segundo mostra Nietzsche pela A Origem da Tragédia e o terceiro Foucault pela História da Loucura e As Palavras e as Coisas, e Deleuze pelo Empirismo e Subjetividade, Lógica dos Sentidos e Diferença e Repetição. Entre outras enunciações de outras obras destes autores.
Apanhando estas enunciações, Maximiliano mostra que a educação como conhecimento só pode se fazer como experiência, como acontecimento, o sentido que irrompe do exterior como novo. O instituinte. A nova palavra. A descontinuidade do discurso tornado clichê, o instituído. Para isso, é preciso que o pensamento não seja confundido com recognição, o reflexo da imagem dogmática do pensamento do estado, que nutre os programas escolares que não levam em conta as variações dos percursos do educando. Como afirma Deleuze, “um preconceito infantil, segundo o qual o mestre apresenta um problema, sendo nossa a tarefa de resolvê-lo e sendo o resultado desta tarefa qualificado de verdadeiro ou de falso por uma autoridade poderosa. E é um preconceito social, no visível interesse de nos manter crianças, que sempre nos convida a resolver problemas vindos de outro lugar e que nos consola, ou nos distrai, dizendo que venceremos se soubermos responder: o problema como obstáculo e o respondente como Hércules”. E assim, nunca nasce “na sensibilidade esta segunda potência que apreende o que só pode ser sentido”. O que nos permite entrar, além da cultura, na ordem do intensivo, do intempestivo, do indefinível, que “nos permite sair transformados”, o que o autor chama de “experiência trágica”. O criativo saído da relação entre o finito, o cultural, e o infinito, o fundo, o sublime (Kant), o dionisíaco (Nietzsche), o acontecimento (loucura para além da psiquiatria, Foucault).
A FILOSOFIA COM CRIANÇAS
Para Maximiliano a “Filosofia Com Crianças” é uma forma de intervenção pedagógica muito especial. Dedicado à prática filosófica na escola, aquele que trabalha em “filosofia com criança” pode, legitimamente, ser considerado um educador, alguém que ensina no sentido de oferecer signos”. E deve considerar duas atitudes: “conservar a cultura através de sua transmissão, e vivificar esta mesma cultura por meio de constantes criações”. Para isso deve ter em conta o devir das palavras, recriar novos sentidos. Sempre auxiliados por textos variados — cinema, literatura, pintura, poemas, narrações, teatro, etc —, férteis transportadores de signos capazes de produzirem outros sentidos, outros saberes, outras percepções e outras cognições. Nesse processual estão implicados os dois eixos, que, segundo ele, são chamados de “Eixos da Educação”. O eixo cronológico, onde a pedagogia expressa “palavras, dados, informações, saberes e habilidades”. Matérias. O eixo intensivo, onde a pedagogia movimenta “o sentido e o valor dessas palavras, dessas informações, dessas habilidades e saberes”.
Na ordem da criação que propõe “A Filosofia Com Crianças”, o essencial como educação cultivadora da vida é que as crianças aprendam a criar os problemas, recorrendo aos conceitos usuais, para que o pensamento surja como sentido, um conceito novo, e não cair na armadilha da proposição, colocada pelo professor, que visa tão somente levar a criança a encontrar uma resposta, ou solução, implícita no falso problema.
Em síntese, como afirma o filósofo Maximiliano, “fazer “Filosofia Com Crianças” não tem a ver com ensinar história da filosofia, mas com fazer da filosofia uma experiência”. Para isso, é preciso que a criança eleve, como diz Deleuze, “cada uma das faculdades ao seu exercício transcendente”, e como aprendiz ser aquele que “constitui e enfrenta problemas práticos ou especulativos”, processados no aprender como “atos subjetivos operados em face da objetividade do problema (Idéia), ultrapassando desta forma, “a calma posse de uma regra das soluções” que é o saber, o acumulativo, o memorial.
Aos interessados em adquirir a obra, ou entrar em contato com o filósofo, digitar maximilianolopes@vm.uff.br ou maxlop@hotmail.com.
A quem desejar adquirir a obra, entrar em contato com a editora Autêntica: http://www.autenticaeditora.com.br/livros/item/425.
Gostaria que me enviassem plano de curso de filosofia para ensino médio. Pois não sei por onde começar
Olá, tenho interesse em trabalhar com filosofia para criança, vc indicaria cursos ou uma faculdade embasada nesse contexto: Não ensinar filosofia com história, mas como fazer da filosofia um experimento. Achei muito pertinente esse texto, parabens.
Abraço, Ira.
Muira luz, vida e ação.
Sou Pedagoga com licenciatura em Ed.Infantil, e leciono.
Olá, bom dia !Estive lendo a matéria e gostei muito. Trabalho na rede particular com crianças de 1ª, 2ª e 3ª séries.Gostaria de receber sugestões de projetos pedagógicos de filosofia. Algo que ficasse muito distante do tradicional…Grata!!