Os pobres se esquivam pelas barreiras e

cavam túneis que enfraquecem as muralhas.”

(Toni Negri, filósofo italiano)

CARLOS: NA COMPOSIÇÃO CRIADORA COM A CHUVA DE BELÉM

Dizem os moradores da cidade das mangueiras que os encontros vespertinos se marcam “antes ou depois da chuva”. Empiricamente, este bloguinho comprovou. Dos 12 dias lá passados, apenas em um não choveu rigorosamente entre as 14h e 15h. Oportunidade de fazer uma composição entre trabalho, emprego e renda para o companheiro Carlos. Vindo do interior do Pará, autodidata na sua arte, ele fez do conserto da sombrinha, ou guarda-chuva, em algumas regiões, o seu ganha-pão.

Saque filosofante de quem se esgueira por entre as privações do mercado de trabalho do grande capital, e não se permite reduzir à mão-de-obra passiva. Carlos fala de seu ofício com a convicção de quem fez seu caminho, e de quem sabe que quanto maior o bloco, maiores são as brechas por onde as linhas intensivas do criar podem passar. Contra ele, nem os tecnocráticos japoneses puderam!

Bloguinho Intempestivo – Como é o teu nome?

Carlos – Meu nome é Carlos.

BI – Com o que tu trabalhas?

C – Eu trabalho consertando sombrinhas. Eu fiquei desempregado há nove anos, não arrumei mais emprego, aí eu vim aqui para a praça, arrumei este ponto e comecei a trabalhar. E até hoje, graças a Deus, eu estou me dando bem.

BI – E tu és daqui de Belém?

C – Não, eu sou paraense mas não sou de Belém, eu sou de Salinas.

BI – O que tu fazias antes de consertar sombrinhas?

C – Eu trabalhava na praia, de pescador.

BI – E o mar não estava para a tarrafa?

C – A vida de pescador é muito ruim. E eu cheguei aqui a fim de trabalhar. Procurar mais uma condição de vida. Só que eu não arranjei emprego, e as condições que eu achei de viver em Belém foi aqui, consertando sombrinha.

BI – E como tu aprendeste a consertar sombrinha?

C – Essa profissão eu aprendi ainda lá em Salinas. Lá tem a Praia do Atalaia e o pessoal vende muita mercadoria na beira da praia, negócio de peixe, carangueijo. Então existe o pessoal da barraca, e o pessoal que trabalha na beira da praia com chapéu de sol. E foi nessa ocasião, trabalhando como garçon de areia, que é como o pessoal chama lá, que eu aprendi a consertar sombrinha. Eu consertava o meu guarda-sol, que eu tinha, quando quebrava eu mesmo consertava. Então eu aprendi assim por curiosidade. Aí quando eu vim pra Belém que eu me especializei, porque já veio bastante conserto de sombrinha, o pessoal começou a chegar comigo e eu comecei a consertar.

BI – E tu conserta qualquer tipo de sombrinha? Tem muita diferença de um tipo para o outro?

C – Qualquer tipo. Tem, sim. Tem a manual, que é mais fácil, tem a automática, e tem a japonesa, que vende por aí e é pior ainda. Porque a japonesa é tudo por dentro do cabo, tem um tipo de sombrinha japonesa que a gente não consegue consertar o cabo dela. Só faz modificar de um cabo para o outro, porque não consegue endireitar.

BI – E com esse teu fazer tu sustentas toda a tua família?

C – Eu sustento a família toda. Quando eu comecei aqui, era só eu que sustentava a minah esposa e meu filho. Somos só três, eu, a minha esposa e meu filho, que agora tem 21 anos. Mas quando eu cheguei pra cá ele tinha apenas 09 anos.

BI – E tem outros consertadores de sombrinha por Belém?

C – Olha, eu conheço um lá em Entroncamento, e outro aqui na Pedro Álvares Cabral. Agora deve ter muitos por aí, porque às vezes chega serviço aqui de pessoas que mandaram fazer em outro lugar e e não consertam, só fazem amarrar com arame, e acabam trazendo pra cá. Tem muito consertador que não tem o material todo. Por exemplo, a sombrinha japonesa é difícil de encontrar peças dela. Pra gente adquirir, tem que comprar toda ela, e desmontar para usar as peças no serviço da gente.

BI – E o que mudou na tua vida depois que tu começaste a trabalhar de consertador de sombrinha?

C – Ah, mudou muito. Quando eu vim pra cá eu não tinha casa, morava alugado. Eu consegui a minha casa, graças a Deus, e tudo o que eu tenho dentro dela eu consegui com esse serviço aqui, de consertar sombrinha.

BI – E como tu sentes a mudança no mercado das sombrinhas de lá pra cá?

C – No começo, quando eu cheguei pra cá, era melhor do que agora. Agora não, baixou um pouco porque tem muita gente por aí que conserta, mas eu tenho aqui a minha freguesia formada. Eu trabalho aqui em inverno e verão, não tem esse negócio de ser só no inverno não.

BI – E em qual das duas estações tu vendes mais? Tem diferença?

C – Com certeza. No verão é muita a diferença. No verão eu passo aqui o dia todo pra ganhar 20 reais. No inverno, do mês de janeiro pra frente, até maio, eu tiro numa base de 50, 60 reais por dia.

BI – Quanto custa uma sombrinha nova?

C – Olha, tem vários preços. Depende do tipo da sombrinha.

BI – Mas essas sombrinhas descartáveis, de 5 reais, que vende por aí, esse mercado do descartável prejudicou a tua renda?

C – Não, não prejudicou, porque, por exemplo. Você compra uma sombrinha agora, usa, ela quebra bem ali, você não vai jogar ela fora pra comprar outra. Então você leva no conserto, que é 2 reais, por aí, depende do tipo do conserto.

BI – E a qualidade das sombrinhas, do tempo que tu começaste pra cá, melhorou ou piorou?

C – Eu acho que piorou. Evoluiu mais, do tipo de sombrinha que eu comecei, porque naquela época não existiam essas sombrinhas japonesas, as automáticas que têm agora por aí. Hoje não, cada vez mais que vai passando o tempo vai evoluindo… Tem tipo de sombrinha que às vezes eu passo uma hora, meia hora, só pensando como é que eu vou fazer ela, porque é fora do meu alcance esse tipo de serviço, aí eu tenho que ver direitinho pra poder conseguir. Eu tenho que desmontar ela todinha, e prestar bastante atenção, pra poder montar de novo.

BI – E tu trabalhas com outra coisa, além de consertar sombrinha?

C – Eu sei trabalhar como encanador, eletricista, pintor, mas nada profissional. O meu ganha-pão e a minha especialidade é mesmo o conserto de sombrinha. Quem precisar, pode me procurar aqui na Praça da República, que aqui eu conserto é na hora, não tem esse negócio de deixar pra outro dia não. É isso.

3 thoughts on “DOS FAZERES E DIZERES DA ECONOMIA MENOR

  1. ola sou do parana e estava procurando como consertar sombrinhas e achei esta materia ,aqui a gente nao encontra quem conserte sera que o seu carlos não poderia dar curso on laine ou vender apostilas ensinando?eu comprei apostila veio por email de como fazer bolsas de caixa de leite tudo com fotos e expicações ele poderia fazer isso.que tal ? ass:eliana

  2. Tenho várias sombrinhas que ganhei de presente, usei uma ou duas vezes e escangalhou logo apanhando carro etc. gostaria de recuperá-las,como posso encontrar o Carlos na praça da Republica?

  3. Quero saber se esse sr. Carlos ainda conserta sombrinhas na praça da República? e se tem whatsapp,tenho sombrinhas estacionadas a tempo aqui em casa para consertar?

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