Em filosofia, o logos tem dois sentidos: Razão e Língua. Tomados em práxis democrática tornam-se Retórica. O devir/linguístico criador da homologia, a identidade do discurso, e da homónoia, a identidade do pensamento, as potências da linguagem que criam a democracia e fazem a fundação das produções públicas dos homens.

Para os filósofos Foucault e Deleuze, em democracia, o pensar é ver e ler. Mas com a condição que a percepção eleve-se como visibilidade acima dos objetos percebidos, e a leitura eleve-se acima das palavras e das frases. Rachar as palavras para fazer brotar os conceitos. Falar distante da simplificação das palavras prisioneira dos conceitos. Produzir a alethéia lingüística, a revelação do logos, como diz, o filósofo Heidegger.

A juíza Maria Eunice fez brotar os conceitos que eram mantidos ocultos do publico sobre sua insigne e histórica atuação no pedido de cassação do candidato eleito à prefeitura de Manaus Amazonino (PTB) e seu vice Carlos Sousa (PP). Fez a voz ecoar como pássaro de fogo circunscrevendo o movimento dos consensos democráticos da política, lógica e ética. A juíza tocou a lira vibrátil da pluralidade social. Não fez um desabafo, como estampou em sua primeira página o jornal A Crítica. Ela não estava oprimida, nem sob o juízo angustiante da “força” dos que defendem Amazonino. Sempre se manteve suave envolvida em sua vocação de magistrada.

Essa facilidade da fala reveladora é encontrada nesses trechos de sua entrevista. Ou melhor, sua conversa pública. Um sopro de vento linguístico democrático que fez tremer os que imaginam a democracia contrária a sua vivência ontológica de juíza.

SOBRE AS PROVAS CONSISTENTES CONTRA AMAZONINO

Estou decidindo um processo em cima de provas consistentes. Sobre perícias feitas pela Polícia Federal, sobre os cupons apreendidos, sobre a nota fiscal inidônea, visivelmente rasurada, com uma fita de vídeo com toda a filmagem do movimento no posto de gasolina. Você calculando isso aí em carros, você vai imaginar quantos eleitores você poderia conduzir com aquela gasolina que você obteve naquele posto. Você pode fazer um cálculo de 600 requisições, com 20 litros de gasolina para cada um, quantos carros você vai abastecer? Quantas pessoas cada carro vai conduzir? Isso foi o que aconteceu naquele posto! Naquele que foi flagrado.”

SOBRE A DEFESA EM CASO DE AFASTAMENTO

Eu vou pedir que o Tribunal se manifeste no sentido de explicar por que eu vou ser afastada. O Tribunal tem de motivar o meu afastamento. E motivando o meu afastamento, eu vou me defender e vou sim, ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), porque eu não vou aceitar. Afastar por afastar, não. O Tribunal tem que motivar, porque até o momento eu não recebi qualquer comunicado, intimação para que eu apresente a minha defesa. Ninguém pode ser afastado de uma função simplesmente porque a presidência ou o pleno quer. Estou pedindo dois dias de licença, não estou pedindo afastamento. Eu me afastando ai eu vou me defender. Vou ver primeiro qual é o tipo de procedimento que se deve tomar, até chegar lá. E vou conversar ainda com o procurador da República para tomar as medidas necessárias. Não vou sair , ser afastada sob a alegação de que eu prevariquei, que eu escondi processo, que escondi petição, que eu não divulguei decisões. Por isso não, por esses motivos, não. Se entenderem que é porque não cumpri a decisão que entendem que deveria ser cumprida, ainda também vou me explicar, eu quero uma explicação.”

SOBRE A POLÍTICA E O FAMILIALISMO VICIOSO

Pode até votar, mas eu vou recorrer da decisão. Porque não pode me afastar de uma função que me foi atribuída, sem me consultar. Eu teria de ter cometido um crime bárbaro dentro do processo, roubado um processo, desviado um processo, ter paixões políticas, ter candidato político do meu lado, ou ter um parente político, ou que minha família estivesse envolvida em política, se meu filho fosse candidato, se meu irmão fosse candidato, ou se meu marido fosse diretor de um hospital, alguma coisa assim, que estivesse influenciando no desfecho do pleito, aí, sim, ele poderia me afastar. Aliás, ele nem precisava me afastar, porque eu nem iria entrar, por uma questão de ética, responsabilidade e compromisso. Mas afastar por afastar, por quê? Por que eu vou ficar dois dias de licença? Não justifica.”

DAS COLETIVIDADE ENVOLVIDA PELA JUSTIÇA ELEITORAL

É que nós não podemos permitir que um simples requerimento do advogado, pedindo o afastamento de um magistrado, que dirigiu o pleito, que eu considero e aí vai meu ponto também de orgulho —, que eu considero feito com lealdade, responsabilidade perante à sociedade, eu, o Ministério Público, a Polícia Federal e os funcionários que trabalharam conosco, nós somos uma equipe. Eu não fiz a eleição sozinha. Eu fiz a eleição acompanhada de 13 promotores de Justiça, um procurador federal, o delegado federal Wesley, o superintendente, toda a Polícia Federal e os funcionários que trabalharam conosco em todo o processo eleitoral., Então nós somos um grupo, uma equipe de pessoas envolvidas nesse trabalho da Justiça Eleitoral e que trabalhou com seriedade, com responsabilidade e com respeito. Então, eu não aceito é que o advogado, com o argumento de querer resolver o processo dele, possa o Tribunal me afastar. Só porque ele está alegando que a certidão que ele queria não foi entregue no momento em que ele pediu, e que ele foi cerceado no direito de defesa.”

SOBRE A NÃO APRECIAÇÃO DOS EMBARGOS DE GRAÇA FIGUEIREDO

Não. Há um equívoco aí. Não é que teria de ser obedecida. Eu explico para a desembargadora, eu explico para o segundo grau, que aquela decisão de determinar, de imediato, que eu aprecie os embargos, não é possível. O que era possível no meu ponto de vista, até que viesse o mandado de segurança, era um pedido de informação. Aí, depois de todas as informações do que tinha acontecido no processo, aí, sim, ela podia determinar que eu apreciasse. Mas não apreciaram lá. Houve um mandado de segurança e imediatamente concedida uma liminar, em cima do que o advogado disse. Para depois eu prestar informação. Ora, como eu concedo uma liminar de um mandado de segurança para refazer uma sentença para o juiz primeiro refazer e depois prestar informações? Eu, primeiro, teria de prestar informações do que aconteceu no processo. “Olha, aconteceu no processo isso, isso, isso e o prazos são esses, esses e esses”. E aí apreciava. ão vai apreciar o mandado de segurança, agora? A corte vai apreciar o mandado de segurança, com as informações. Agora, o que queria de imediato? Que eu apreciasse os embargos.”

SOBRE A SERENIDADE DA JUSTIÇA DEMOCRÁTICA

Eu estou tranqüila. Eu penso que a sociedade está em evolução. As pessoas que conseguiram entender, são pessoas que realmente têm lucidez e conseguem ter uma visão do Direito, como deve ser aplicado. E que conseguem entender; as que entendem pelo lado da arbitrariedade, é porque ainda estão naquela vida de retrocesso. Nós evoluímos, não podemos viver na província. Temos uma evolução. O Direito não parou, não estacionou. Então as pessoas que vêem a aplicabilidade do Direito dessa maneira evolutiva, de que as pessoas que praticam esses atos devem ser punidas, sejam quem for, essas pessoas já conseguem ter uma visão da lei, do que é uma democracia. Porque o voto, no momento em que é comprado, não há mais democracia, não há mais liberdade de votar. Não possibilidade de você pensar liberdade de voto, quando o voto foi vendido. A eleição passa a não ter legalidade, moralidade, quando o voto já foi comprado. Acabou. Quando ao eleitor é oferecido um cargo público, ele não está mais votando pelo bem da sociedade: está votando por interesse próprio. O que há aqui? Uma questão do capitalismo, que tornou o homem individualista, que cada um luta pelo que é seu. E nós precisamos viver o coletivismo e não o individualismo. Então eu penso que vou ficar bem, aí eu voto no candidato A. Nesse ponto eu começo a me vender. Eu me ofereço, estou de carro, vendo, carrego eleitor, compro voto dos eleitores, alicio os eleitores e aí a eleição não pode ser considerada como liberdade de voto, de escolha.”

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