NO REINO DO HIPER-TUDO, A MORAL TAMBÉM É ESPECTRO

“Sou completamente heterossexual”, afirmou o ex-jogador Ronaldo a uma emissora de tevê, em entrevista. O ex-atacante andou em vários programas da insossa programação global para tentar ‘limpar a imagem’, após o não explicado caso com os travestis. Lucro para ele, que ganham exposição midiática na telinha do hiper-real da vênus laminada, e lucro para a empresa, Globo, que garante uns pontinhos no Ibope com a exposição da própria estupidez em cadeia nacional.

A TIM, a Nike, a Unicef se pronuciaram sobre a possibilidade de não mais patrocinar o ex-jogador, alegando cláusulas no contrato que impedem o jogador (que tem sua imagem vinculada às marcas) de se envolver em situações que prejudiquem as empresas. Também esperam lucrar com a reprimenda oficial ao jogador, embora também possa pesar o declínio da carreira do atleta em termos de lucros na decisão de cancelar o contrato, caso esta aconteça. A Unicef foi mais além: apesar de usar à exaustão a imagem do jogador em suas campanhas de combate à fome, lançou comunicado oficial informando que nunca teve contrato com o jogador e que ele não é embaixador da entidade. Eles preferem os globais Didi e Xuxa. Nenhuma diferença.

O hiper-real é a realidade exacerbada pelas teletecnologias e pela subjetividade do capital financeiro global. Tudo desaparece como corpo real, e só se apresenta à percepção como espectro. Não há objeto a ser representado, é tudo significante, vazio. Não há nada detrás da cortina. Há a disseminação de uma subjetividade (códigos materiais e imateriais que se adesivam à percepção e constroem a “realidade” social, o chamado real que não é o real) que homogeneíza a todos. É uma sociedade de clones, afirma o filósofo Baudrillard.

Sem compreender esse quadro, as multinacionais e megamarcas procuram a melhor forma de explorar os clichês e estereótipos a favor de seus investimentos. Assim, Ronaldo pretende lucrar com o episódio, assim como os travestis também o pretendiam. Ambos conseguiram. As multinacionais, quando ameaçam publicamente o herói da bola, também pretendem lucrar.

Lucram não apenas no âmbito financeiro (os travestis e Ronaldo com a visibilidade televisiva, a vitrine virtual na casa de cada família de bom alvitre neste mundo), mas há uma mais-valia simbólica que perpassa todo o caso-produto: o fortalecimento da discriminação contra os homoeróticos na sociedade (ou vocês pensam que se fosse com uma mulher, teria acontecido este fuá todo?). O fortalecimento do enunciado moralizante que se pretende normatizador do sexo e ditador da sexualidade.

Não se enganem, menin@s, o capital nos quer bem alimentados e domesticados, boas Dollies prontas a consumir os produtos materiais e imateriais da subjetividade capitalística. Por detrás dos paetês, holofotes, purpurinas e luzes estroboscópicas do choro da namorada traída, do jogador traído, dos travestis traídos, das multinacionais traídas e da sociedade traída há um comércio intenso de signos-clichês do hiper-sexo, da moral de classe (quantas orgias um time faz por semana? Quantos jogadores homoeróticos se escondem em cada vestiário? Quem é 100% alguma coisa na sociedade do consumo?) que fortalece os blocos rígidos que alimentam a homofobia, a violência física e social contra os homoeróticos.

E agora vamos ver os sopros gayzísticos (ou não) que passaram no nosso Mundico!

Φ EXÉRCITO EXPULSA MILITAR TRANSGÊNERO. Fabiane de Barros Portela era Fabiano e era terceiro-sargento do exército em Juiz de Fora (MG). Foi expulso da corporação porque, de Fabiano, passou a Fabiane, a partir de uma cirugia de alteração do gênero sexual. A Psiquiatra do exército diagnosticou Fabiane como portadora do Transtorno dos Hábitos, Impulsos e Identidade Sexual, classificado pela OMS como transsexualismo, ta pra ti? E ainda tem gente que pensa que o homoerotismo deixou de ser considerado doença. Fabiane agora ingressou na justiça para reaver seu posto, mas como não há lei específica sobre o caso no Brasil, tudo ficará nas mãos do juiz, cuja decisão pode gerar jurisprudência para casos futuros. E logo no exército, instituição da disciplina dos corpos dóceis (Foucault) por excelência. O caso mostra o esquadrinhamento do espaço social. Cada qual em seu lugar. Fosse Fabiane cabeleireira ou estilista, o preconceito seria menor. Será? Ainda há muito por se fazer… Sentiu a brisa, Neném?

Φ MILITANTE GLBT ASSASSINADO NO CEARÁ. Luiz Palanho Loiola, 40 anos, um dos poucos militantes gays no árido interior cearense foi assassinado no último dia 02. O corpo foi encontrado em sua residência, na cidade de Cratéus (CE), morto a golpes de faca. Mais um duro golpe na luta anti-homofobia brasileira, sobretudo na região onde os enunciados da falocracia ainda carregam a força de 100 anos atrás. E não será o beijo gay na Globo ou a coluna de fofocas que irá modificar esta situação. Ao contrário, são ferramentas de fortalecimento desta subjetividade dura. Somente mostrando que os problemas não surgem do individualismo, mas que são produções sociais é possível se posicionar e enfraquecer esta subjetividade. Não por acaso, uma prefeitura envolvida com os movimentos sociais, como a da cidade de Lauro de Freitas (BA), ao mesmo tempo em que desenvolve um trabalho notável na área de saúde mental, também sai na frente nacionalmente promovendo o Dia de Combate à Homofobia. As lutas sociais não se dão apenas nas ruas, mas no íntimo de cada um de nós. Nooooossssa, arrasou! Sentiu a brisa, Neném?

Beijucas, até a próxima, e lembrem-se, menin@s:

FAÇA O MUNDO GAY!

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