MINISTÉRIO DA CULTURA DISCUTE EM MANAUS PLANO DECENAL PARA A CULTURA BRASILEIRA
Nesta segunda-feira, 01, teve início o Seminário do Plano Nacional de Cultura, promovido pelo MINC nas capitais de todos os Estados brasileiros. Manaus é a penúltima cidade da caravana seminarial, que se encerra no próximo dia 05, na cidade de São Paulo.
Na cerimônia de abertura, o coordenador do Plano e gerente da Secretaria de Políticas Culturais, Maurício Dantas, falou sobre a iniciativa do Ministério, que procura dar corpo a uma proposta que está prevista na Constituição de 1988, mas que somente neste governo está sendo colocada em prática.
Ele ressaltou ainda a importância da participação da classe artística, dos gestores públicos e dos movimentos sociais na elaboração do Plano, que terá diretrizes produzidas pelos participantes destes seminários, que são na realidade audiências públicas, recurso que ratifica perante o poder Legislativo as deliberações que constituírem o relatório final.
Entre hino nacional cantado por levantador de toada (quem não tem Fafá nem Joelma vai de Assayag mesmo…), destaque para a participação do secretário estadual de Cultura, Robério Braga, que transformou cargo em profissão de décadas, de Amazonino a Eduardo“Maria da Penha Nele”Braga, que chamou a atenção por uma frase do seu discurso passada despercebida à maioria presente. Afirmou Robério que são problemáticas para uma gestão cultural estadual as sucessões municipais, como a que vai acontecer em janeiro, em Manaus. Frase que, após a última quinta-feira, com a cassação da candidatura do prefeito eleito, Amazonino Mendes, e de seu vice, Carlos Souza, remete a duas interpretações: uma, a de que Robério Braga não saberia sobre a cassação, improvável, dada a intimidade entre candidato cassado e seu ex-secretário, portanto ofensa mortal ao amigo; e outra, em ato falho, Robério estaria assumindo seu lado “vidente”, e antecipando publicamente a absolvição de seu ex-patrão, por parte do pleno do TRE, possibilidade já explicada, sem misticismo, aqui.
A partir das 14 horas, Maurício Dantas, em continuidade à programação, apresentou a atual versão do PNC, o qual deve ser modificado e finalizado a partir das contribuições dos participantes dos seminários presenciais e do fórum virtual, do qual podem participar tanto os que estiveram nos eventos presenciais quanto qualquer outro interessado e estudioso do assunto.
O Plano Nacional de Cultura apresenta uma proposta para a gestão da cultura como política pública de Estado (supragovernamental, portanto), com duração de dez anos, com revisão prevista. O PNC se estrutura em três dimensões (simbólica, cidadã e econômica) e cinco diretrizes. Os grupos de trabalho em cada seminário realizado deve apresentar modificações nestas diretrizes, sempre tendo como foco a diversidade e a regionalização, sem no entanto fechar-se para a dimensão nacional da cultura.
No dia de hoje (terça), iniciar-se-ão os grupos de trabalho para a elaboração/revisão das diretrizes.
“PRIMEIRO A BARRIGA, DEPOIS A MORAL” — O (DES)ENTENDIMENTO DA FINA FLOR DA CULTURA AMAZONENSE QUE PARTICIPOU DA OFICINA
A participação das lideranças artísticas no seminário cumpriram duas sentenças que confirmam a ausência da propalada diversidade na chamada “cultura” amazonense. A primeira diz respeito à presença dos eternos e sempre os mesmos representantes das chamadas belas-artes, dos mesmos grupos e indivíduos que sobrevivem das benesses mínimas dos governos manoniquins dos últimos 30 anos, e cuja arte reflete esta subalternidade. A segunda, refere-se à ausência de grupos novos, desconhecidos para este olhar oficial. Não se viu representantes, por exemplo, do hip-hop, ou grupos ligados à arte na zona Leste de Manaus. Se lá estiveram, não se manifestaram. Pelo que este bloguinho intempestivo percebeu na platéia, quase todos os que estavam presentes são os que há muitos anos estão envolvidos na realização de projetos, que conhecem todo o trâmite burocrático, que vêm há décadas participando de concursos, ainda que seus “raríssimos” talentos artísticos muitas vezes não sejam apreciados, frustrando seus pendores burocráticos da arte.
Após a explanação do coordenador do PNC, e a abertura para o debate, o assunto imediatamente deixou de ser o Plano, para focalizar-se nas questões de ordem gastrológica. Entre os participantes, houve quem farejasse o odor moral, confundindo-o com o perceptivo, causando desconforto entre os presentes com medidas de assepsia inadequadas para alérgicos e asmáticos.
Ainda, predominou a cobrança junto ao coordenador do Plano — que acabou convertido em representante “do Ministério”, assim mesmo, generalizado — quanto a critérios de julgamento de projetos (que cabem a comissões independentes). Confusão semiótica capturada pela impossibilidade epistemológica de abstrair das palavras o seu sentido usual, dado pela sociedade de consumo. Confusão entre regionalismo e adereços “indígenas”, impossibilidade de compreensão de que os signos são produções artísticas que carregam o novo através de perceptos e afectos, e que é possível falar de blues e ser amazônico, e o que não é possível — a não ser em Manaus — é ainda acreditar que a onça pintada no quadro reflete uma identidade “amazônica” imortalizada em arte.
Em que pese a serenidade, experiência e competência do coordenador do PNC, em pacientemente ouvir e considerar as falas dos profissionais da arte gastrológica, nelas transbordou, além da impossibilidade dos “falantes” em fazer seus projetos rachar as palavras e extrair delas elementos que escapem da semiótica constituída da arte de consumo e do expectador-passivo, uma arrogância que se estendeu em dois sentidos: um, em colocar em suspeição, sem ter evidências para tal, apenas com ilações, o trabalho da FUNARTE, já que a mesma não entenderia como regionalismo — e se for isto ela está certa — o uso dos clichês índio, mata, verde, floresta, cocar, pena, curupira, onça pintada, etc. Outra, colocar em suspeição — sem ter sequer lido o trabalho — os projetos vencedores, levantando a possibilidade de que o critério de regionalismo não tenha sido respeitado. Passível de processo civil, se os vencedores estivessem preocupados menos em criar do que em faturar.
No mais, ficou evidente a desorganização e a capturação dos enunciados pela semiologia do capital, que transforma a arte em produto e o artista em técnico. Estreiteza epistemológica que se mostrou em duas situações: quando os membros da AFIN usaram a palavra “transa”, no sentido de trans-ação, linha de corte na semiótica constituída, e grande parte da platéia riu, capturando (sendo capturados?) a palavra pelo sentido imóvel (clichê): confundiram transa com sexo. E em dois momentos em que o coordenador do PNC utilizou, sem o perceber, a sigla GLBT, quando se sabe que os movimentos sociais voltados à temática gay modificaram, em conferência nacional, a sigla para LGBT, para dar maior visibilidade ao movimento lésbico, e nenhum dos homoeróticos, enrustidos ou assumidos, se manifestou.
O entendimento de arte gastrológica (que se prende à hierarquização da produção e da disseminação das chamadas criações artísticas, estabelecendo o sujeito-sujeitado “artista” — que só produz na mesma semiótica laminada que interessa aos governos corrompidos, e o sujeito-sujeitado “platéia”, receptor gástrico-apassivado desta “criação” artística) aparece não apenas no uso onipresente da partícula “eu”, mas também no complexo de inferioridade histórico que muitos amazonenses têm em relação aos paraenses: houve quem reclamasse um escritório do MINC na capital que é “a metrópole da região Norte”, referindo-se a Manaus, sem saber talvez que a organização do Fórum Social Mundial escolheu a outra metrópole para realizar o evento. Além do mais, o próprio seminário pode dar conta da diferença de tônus artístico-existencial dos manaquaras para os grãos-parás (veja aqui e aqui como foi a festa deles).
São estes os que irão dar a contribuição de Manaus para o Plano Nacional de Cultura. Fazendo uma anedota com as palavras de orelha de livro de Marx: “cada um de acordo com sua capacidade”. Ou, adequando o dito: “não importa se farinha pouca ou muita, meu pirão primeiro”.
COM QUE SORTE O MINC PROSSEGUE?
De qualquer sorte, o PNC terá de contar com a participação da “mais bela cidade da América do Sul”, uma vez que os interiores do Estado parece que não foram contemplados com presença. Se foram, nesse meio instalado, não se manifestaram. Assim, a tarefa de Maurício Dantas, nesse jogo-do-não-jogar em que a maioria tenta montar suas estratégias de captação de recursos, com muito pouco anseio de planejamento, ele terá de levar alguma proposta e, pelo que se viu, ainda bem que não precisará contar com a sorte, mais com inteligência e perspicácia, é assim que ouvimos suas palavras na conversa que tivemos ao final do primeiro dia do Plano Nacional de Cultura:
Na realidade, aqui é um estado que focaliza mais a capacidade de diversidade. Pela própria composição das pessoas que estão na plenária, você consegue enxergar que tem uma diversidade muito grande: culturas indígenas, populares, caboclos… Isso é uma coisa muito interessante. O que a gente tem de conseguir nestes dois dias de trabalho é fazer com que isso se reflita no documento escrito, que as pessoas consigam pensar para além das suas atividades, da fruição e da produção da manifestação e consigam enxergar isso como um todo, como uma peça de planejamento.