A PUBLICIDADE DA “SURPRESA DO PAPAI”
Dia dos Pais! Mais um dia em que os fluxos pontuadores da circulação comercial aquecem seus cilindros mercadológicos. Como não poderia deixar de veicular sua sapiência, a publicidade se derrama em múltiplos corações desejosos de atenção, mesmo que tenham que pagar. ‘Amor’? Mas antes pago do que não tê-lo. Que a segunda-feira traga a real realidade afetiva, não importa. O que importa é o que importa à publicidade. Por isso, a publicidade socializa as idades pelo espírito de sua estética de promover a maior voracidade possível.
Daí que a criança surge afirmando já ter encontrado a “surpresa do papai”. “Surpresa!”. Não é surpresa para o simples cidadão que a publicidade não saiba que em seu mundo não exista surpresa. Ela empurra um chavão consumista na boca da criança para estabelecer no iludido consumidor adulto, já que criança não carrega o simulacro do dinheiro (Marx? Baudrillard), a sensação de que no mundo capitalista há surpresa. Não há. A “surpresa” não é nada mais do que um objeto, muito bem embalado, psicodelicamente, pelos desejos criados pela estética de consumo, tão bem exibido que a única “surpresa” é o consumidor não ter dinheiro para adquiri-lo. “Surpresa! Não tenho dinheiro!”. Mas quem possui, compra a “surpresa” e presenteia seus destinatários: Papai, do campeão! Sem que o filho precise afirmar ser filho, no ‘amor’ objetificado. Mas o pai se ‘emociona’. Embora objeto não emocione.
A publicidade é perversa: desvia o desejo da infância da criança e lhe direciona ao fim objetivo das taras do adulto: seus interesses materialistas representados como simulacros de respeito e abnegação. Inútil querer que a publicidade respeite a criança, não transformando-a em veículo de promoção de suas ambições. Inútil, pois ela tem na criança o elemento força encantadora dos adultos infantilizados, que têm a sociedade como um imenso parque de diversão, sempre girando suas fantasias. Ou, como diria o filósofo Frédéric Schiffter, “um vasto orfanato em que os internos procuram inutilmente adotar uns aos outros”.
Todos sabem: o comércio pode sobreviver sem a publicidade. A publicidade é o parasita do sistema de produção. Vive do que os outros produzem. É totalmente desnecessária. Agora, se alguém criar um projeto proibindo a publicidade usar criança para promover objetos, ela se esperneia, publicando exacerbadamente que tal projeto não passa de violenta censura. Cerceamento de liberdade. Mas quanto à liberdade da infância da criança, ela não aprova. Aí o grande perigo: além de inútil, ela é tirânica.