PARADAS GAYS MOVIMENTAM BRASIL AFORA

Neste domingaço, Brasil afora, vão rolar nada menos que quatro paradas gays! Tem pra todos os gostos e em quatro dos zil cantos do país.

Felizmente, o que começou como Gay Pride e abrasileirou-se como Parada do Orgulho Gay tirou, não se sabe pela preguiça fonemática ou se por saque mesmo, o “orgulho”. É que ter orgulho significa ter uma idéia de si maior ou mais do que realmente é, criada sob a ótica do outro. Como não posso ser o que o outro pensa que eu sou, cria-se uma idéia falsa, não se aumenta a potência de agir, é um não-ser, uma idéia inadequada.

A Parada Gay, Brasil afora, ainda tem elementos corporais e incorporais produtores intempestivos de linhas de ação. Como algumas paradas (à exceção, talvez, de São Paulo) ainda naõ foram capturadas pela subjetividade da mais-valia de capital, a maior parte delas produz mais-valia de modos de existir, sentir e perceber. Como não há uma ordem, mas tão somente um mote, as pessoas podem mais facilmente deixar transbordar os elementos intensivos que carregam, e dos zil encontros surgem novos afetos e percepções. A quem olha de longe e com os olhos do pecado da moral, só aparece a “diversão gratuita” e a “depravação”. Cada um vê o que pode.

Mesmo nas cidades onde o movimento ainda seja capturado pela inércia do Estado ou pelo oportunismo de alguns candidatos e governos (os tais “padrinhos” e “madrinhas”), há estas intensidades. O grande desafio para quem organiza talvez seja justamente o que a parada de São Paulo enfrenta hoje: conseguir arcar com as despesas materiais e financeiras da festa, sem no entanto capitalizá-la. O desafio está lançado e as monas vão à luta!

Hoje, pra quem está perto, estão imperdíveis as paradas gays de:

  • Ribeirão Preto: na sua 4a edição, os ribeirenses devem arrastar cerca de 30 mil pessoas na festança. Quem organiza a parada são as ONG´s Arco-Íris e Diversidade, e o mote deste ano é a divulgação dos direitos civis da população LGBT. O evento, pasmem!, ainda não faz parte do calendário festivo da cidade. Ah, mas vai fazer…

  • Belo Horizonte: ou simplesmente, Belô, onde ainda se usa a palavra “Orgulho”, está na sua 11a parada. Por lá, as coleguinhas e coleguinhos puderam curtir durante toda a semana as festividades do “BH Sem Homofobia”, com diversas atividades culturais, como palestras e cinema. Este é o mote da parada, que espera reunir movimentos não só da capital, mas do interior do Estado também.

  • Poços de Caldas: ui, o doce nome da cidade convida @s menin@s para passear pelo interior das Minas Gerais. A parada está na sua terceira edição, e já deve estar rolando a uma hora dessas, na Praça Afonso Junqueira. Com convidados de todo o Brasil, a parada promete ferver até o sol sair pela culatra…

  • São Luís: os maranhenses é que vão sacudir o esqueleto ao som de muita música eletrônica e reagge neste domingo. A “V Parada da Diversidade Sexual”, sem orgulho, mas como causa de si, invade a cidade mais musical do Brasil para divulgar o combate à homofobia e o PCL 122/06. A festa vai acontecer na lindíssima Avenida Litorânea, e espera-se superar o número de participantes do ano passado, que foi de 150 mil. A parara é organizada pelos grupos Gayvota e Lema.

Ui! E agora vamos ver outros sopros gayzísticos (ou não) que passaram no nosso Mundico!

Φ URUGUAI NA VANGUARDA DOS DIREITOS LGBT. Quem diria que o pequeno país às margens do Rio da Prata seria, na América do Sul, o baluarte da promoção dos direitos LGBT. Lá, o casamento é promovido sem quaisquer restrições, desde o ano passado, e a partir desta semana, a lei que permitirá adoções venceu com folga o primeiro desafio. Dos 25 senadores uruguaios, 17 votaram a favor do projeto de lei que regulamenta as adoções de crianças por casais LGBT. Agora, o PL vai à Câmara dos Deputados, onde já se dá como certa a vitória. É mais uma aula de cidadania dos hermanos aos brasileiros, que ainda lutam pra ter o direito de coexistir no plano dos direitos civis. Viva los uruguajos e uruguajas!!! Sentiu a brisa, Neném?

Φ NO CHILE O AMOR ENTRE OS MILITARES TAMBÉM É PROIBIDO. Armando Salgado e Víctor Rivas sofreram o golpe bem antes dos nossos Fernando e Laci. No dia 28 de Maio de 2007, a polícia militar expulsou os dois da corporação, no mesmo dia em que a chefia do casal soube de sua orientação erótica. Embora seja o país que teve uma das ditaduras mais sangrentas da América do Sul, o Chile foi também o país onde mais rapidamente se evoluíram ações de reparação das décadas de atraso promovidas pelos EUA e seu títere, Pinochet. Apesar da expulsão, não foram presos nem torturados. Mas sentiram, como qualquer cidadão sente, a dor e a vergonha de serem expulsos do seu trabalho e do convívio social por discriminação. Com a movimentação social de grupos como o Movilh (Movimento de Integração e Liberação Homossexual) – que tem um trabalho revolucionário com o homoerotismo na velhice – o casal venceu a batalha, e será reintegrado ao seu antigo trabalho, para desespero do chefe, que vai ter que resolver suas próprias inseguranças sexuais para poder conviver com a diversidade. Sentiu a brisa, Neném?

Φ EM HONDURAS PERSISTE A HOMOFOBIA, DIZ ANISTIA INTERNACIONAL. Nem só de avanços vive a AL. Em Honduras, o tratamendo dado aos homoeróticos chega perto da perseguição medieval que a Inquisição promoveu na Europa. A entidade Anistia Internacional expressou repúdio às instituições hondurenhas, que discriminam e promovem a violência oficializada contra os homoeróticos. O ativista Donny Reyes, da ONG Arcoiris denunciou que foi preso, torturado e violentado em uma prisão, com participação direta dos agentes públicos que deveriam garantir a segurança. Segundo a entidade local, de 1991 a 2003, mais de 200 homoeróticos foram assassinados. Os crimes não foram considerados como motivados por ódio e discriminação, e a maioria dos agressores não foi punida. Apesar do número causar horror, ainda mais por se saber que estes são apenas os que foram denunciados, é bom lembrar que no Brasil é muito, muito pior… PLC 122/06 aqui e lá! Sentiu a brisa, Neném?

Φ ‘BERLIN’, DE LOU REED, FAZ 35 ANOS MANDANDO BRONCA. Um dos chamados clássicos do rock, o álbum Berlin, do nova-iorquino Lou Reed, completou 35 anos de lançado. Com melodias onde predominam os graves e o baixo é o instrumento privilegiado, o disco foi um marco na carreira de Lou, e um dos mais importantes do rock. Carrega a atmosfera da cidade alemã na década de 70, que também foi bem mostrada, anos depois, pelo cinegrafista Win Wenders, amigo de Reed. Porque falar sobre esse disco no mundo gay? Primeiro, ó meu bem, porque o rock é gay. Segundo, porque Lou Reed é considerado o bardo do sub-mundo. Foi ele que, antes dessas bandinhas anos 90 que brincaram de ser rebeldes, cantou a decadência do mundo capitalista, a segregação das minorias – inclusive as sexuais/eróticas – e produziu letras algo próximas do primor técnico de uma poesia. Além do mais, é roqueiro socialmente consciente, não se expôe e só fala o necessário. Quem tem talento não precisa de holofotes. Quem quiser ler uma boa resenha sobre o disco, e aproveitar para baixá-lo (para ouvir e depois deletar, lógico. Então tá.), clique aqui.! Sentiu a brisa, Neném?

Φ DERCY GONÇALVES, A LINHA INTENSIVA QUE NÃO FEZ CONCESSÕES. Uma linha intensiva não morre. Não tem ponto inicial e nem final. Não é feita, como pensou a geometria euclidiana, de infinitos pontos, mas é causa de si mesma. Assim, algumas pessoas fazem da sua biografia uma linha intensiva. Onde os outros vêem pontos, por só serem capazes de tal, ela desfila com a sua linha. Assim, a atriz Dercy Gonçalves, 101 anos, e cujas funções biológicas alcançaram o que a medicina chama de morte, mas que para a filosofia é apenas o cumprimento de uma pendência existencial, se foi nesta tarde de sábado. “Eu vim para criar confusão”, sabendo muito bem que, se existe uma função na arte, é produzir disjunções e descontinuidades. À época em que fez 100 anos, este Bloguinho produziu um texto, falando sobre Dercy, carinhosamente, seus 100 anos que foram milhões em termos de saque da existência, e muito, muito mais além do que o além daqueles que pensam que sua existência se reduzia a uma palavra pornofônica. Aí vai o texto, com o carinho desta coluna:

DERCY GONÇALVES, 100 ANOS DE CORPO

Diz o obituário do senso comum, post morten memorial, sobre pessoas que pularam o muro e saíram da existência tal como a concebe a ciência humana, demasiado humana, que “se o deputado fulano estivesse vivo, completaria hoje 120 anos”, ou “o poeta cicrano de tal faria hoje 200 anos se estivesse vivo”. Ora, o deputado morre, mas poeta poetizante não morre. Considerações intempestivas à parte, no caso de Dercy Gonçalves, ainda que tivesse puxado o carro (e não está disposta a puxar tão cedo), não se poderia dizer que “estaria fazendo cem anos”. Na pontuação burocrática da temporalidade cronos, ontem, 23 de junho, ela completou 100 anos. Embora pudessem ser 102, já que seu pai só a registrou tardiamente. Ela mesma não se importa. Sabe que o tempo não existe.

Atriz e humorista, do teatro de revista, trabalha desde 1929, passando ainda pelo cinema e televisão. Adepta da pornofonia como forma de caracterizar um trabalho afastado da boa mídia burguesa (que ainda hoje se ressente da palavra proibida, pela proibição que tiveram no falar). “Não acredito em santo nenhum. Minha religião é a natureza. Deus é um apelido. Ele pra mim não existe. O que existe é a natureza. Deus é fantasma, mas a natureza é a verdade“, diz, aproximando-se, sem saber, do que fala o filósofo Spinoza. E é ainda Spinoza que nos mostra, dercinianamente, que os corpos não tem idade. Os corpos produzem afecções, que modificam sua constituição, mas é somente no plano de uma subjetividade que toma o tempo como propriedade e exploração do outro que este corpo entra na ordem da temporalidade cronos: infância, adultice, velhice. Dercy não é velha por que não está na ordem da subjetividade cronos. É certo que os corpos se modificam, e os enunciados que carregam os elementos incorporais que constituem a velhice capturam as pessoas, e produzem nelas os efeitos que são tomados como naturais na velhice. É a chamada terceira idade, ou a chantagem da “melhor idade”. As doenças que são tomadas como características da idade são produzidas pelo modo de existência que se leva, as composições onto e filogenéticas que vêm acontecendo desde antes do nascimento do ser. A Vida não começa no nascimento e nem termina na morte. Ela, aliás, não tem pontuação.

E disso, Dercy sabe muito bem: “Eu não quero saber do passado, nem data e nem nome”. Por isso incomoda o ressentimento, que encruou e envelheceu, às vezes até antes do tempo determinado para isso. Nesta sociedade onde o que está fora do lugar não tem espaço, alguém como ela, que afirma: “Não vi a vida passar, eu vivi a vida, eu saí na banda”, incomoda àqueles que não escaparam ao enunciado da temporalidade cronológica. Como Kafka, ela também não quer concessões.

Beijucas, até a próxima, e lembrem-se, menin@s:

FAÇA O MUNDO GAY!

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