A esquerda sul-americana, que vinha tentando há muito através do diálogo a libertação da ex-senadora colombiana Ingrid Betancourt, que fora raptada pelas Farc em 2002, vê isso acontecer com alegria e lucidez. Mas quem está em polvorosa é a direitaça do continente e norte-americana, pretendendo levar para si todas as premiações show-midiáticas. A libertação da senadora, assim como o recente ataque aos guerrilheiros em território equatoriano, apresenta todas as cenas de um desses filmes hollywoodianos. Quando Hollywood filmar essa história — e é certo que irá — será apenas um remake. Uribe é o novo herói. Essa inversão de papéis foi o que levou Swarzeneger a não mais se contentar somente com as telas e se tornar prefeito da Califórnia. Quando a ficção e o real se confundem ou trocam de lugar é a prova de que não há mais aí nada que se possa denominar de realidade humana, diria Jean Baudrillard.

A seqüelada Folha de São Paulo estampa que o resgate dos reféns fortalece Uribe e enfraquece Chávez. Uma vez dissemos nesse bloguinho que, a despeito de Chávez, Rafael, Lula, Kirchner e outros envolvidos por um acordo humanitário, ele dificilmente seria executado, pois os maiores interessados em que um acordo de troca de reféns entre governo e as Farc e, posteriormente, um cessar fogo e acordo de paz na Colômbia não dessem certo eram Uribe e Bush, ou vice-versa. A eles Betancourt só interessava morta ou como peça de um espetáculo. Para sorte dela — não deles, pois estavam certíssimos do que urdiam — e de mais outros quatorze reféns (que não apareceram na televisão), todos saíram ilesos.

Nem tão ilesos assim, já que ela rendeu todas as loas esperadas pelo seu herói por resgatá-la, parabenizando servilmente a “inteligência” da operação. E a destituição do real já vai longe. Em todo o mundo se fala no assunto e com variações infinitas de detalhes e versões do ocorrido: um canal de televisão comenta que foi a partir de uma infiltração no interior das Farc que durou anos; outro afirma que foram os guerrilheiros que resolveram pelo processo de libertação dos reféns; há quem diga que houve traição no interior da guerrilha; uma rádio informa que apenas quatro militares estavam no helicóptero que participou do resgate; um blog diz que os militares se disfarçaram de guerrilheiros; outro, que o disfarce foi de membro da cruz vermelha; num jornalão on-line tenta-se passar que os soldados só enganaram os guerrilheiros devido à camisa branca com a imagem de Che Guevara que usavam; a própria Ingrid Betancourt diz que só notou que os que a estavam levando não eram da guerrilha quando já estava no helicóptero… Inúmeras versões. Tantos absurdos. E o que não o é? O absurdo de informações promove uma desinformação generalizada de suspeitas, hipóteses, invencionices de tal forma que não se pode mais desvencilhar o que é real e o que não o é. Talvez a própria Ingrid saiba menos do ocorrido do que um músico-blogueiro no Aracati cearense.

De todo modo, é bom que Ingrid Betancourt esteja livre, mas a quem e em que consiste realmente essa liberdade? Sabe-se que ela é originalmente uma “gamonale”, ou seja, filha de uma família tradicionalista e com influência politica na Colômbia. E apesar de conviver com várias pessoas de esquerda na França, onde viveu praticamente toda a juventude, no regresso à Colômbia, em 1989, após a morte de um amigo da família, cerrou fileiras junto a Álvaro Uribe, o Dr. Varito de Pablo Escobar, enquanto atacava ingenuamente os narcotraficantes. E só saiu daí somente ao fundar, em 1998, o Oxigênio Verde, partido de viés ambientalista.

Perguntada se vai ser candidata a presidente, ela responde que não sabe, que no momento é mais um soldado na luta pela libertação de todos os reféns. Liberdade é a capacidade de agir enquanto causa de si mesmo, ou seja, em sua singularidade, para aumentar a potência de agir da coletividade e assim criar uma potência maior, democrática. Se se tornar novamente um soldado à maneira de Uribe, apenas terá deixado de ser trunfo das Farc para ser trunfo para o aumento do populismo despótico do presidente que ela mesma acusou de ligação com os paramilitares, que (tal qual Fernando Henrique) comprou votos para aprovar a reeleição, que está preparando uma urdidura para forçar a aprovação de um terceiro mandato, o responsável direto (até seus cúmplices, a CIA, o acusam) pelo massacre de vilas inteiras de camponeses e mantenedor do atual estado de miséria que vige na Colômbia, enquanto sua popularidade vai aos píncaros do ibope.

A liberdade de um ser são suas escolhas, diria o filósofo da liberdade, Sartre. Bem-vinda, Ingrid!

2 thoughts on “O QUE É LIBERDADE PARA INGRID BETANCOURT?

  1. Bem vinda Ingrid Bentacourt! Salve as Farc!, Salve a esquerda latino americana. Salve Lula, Chaves, Cristina,
    Correa, Fidel Castro…A imprensa vive de invencionice. É
    como vocês colocaram. Não faltaram versões para a saída da selva dos colombianos. Uribe até as dezoito horas disse que não falaria nada. Mais tarde lá estava ele ao lado de Ingrid. Ele foi o principal “vencedor” com o sumiço dela. Caso não tivesse ocorrido ele não seria o Presidente. Agora atenção para os discursos da direita. Todos falam que as FARC estão enfraquecidas. Isso nós já vimos várias vezes. As
    FARC não estão enfraquecidas. Enfraquecida está a sociedade capitalista onde paira a corrupção, os desmandos com o dinheiro público, como é o caso no Amazonas, que para promover um evento, num hotel de luxo, para falarem sobre penas alternativas, se gasta quase 500.000,00 (quinhentos mil). Enquanto isso, cadê a saúde! Só doença e mais doenças. Mais doenças porque a pessoa já está doente, vai para o PAM chega lá dá um PAM na cabeça dele, a doença triplica porque não vai ser atendido. E aí, se fala em liberdade, Ingrid está em liberdade e nós em liberdade estamos presos nas mazelas de uma sociedade injusta e corrupta.

  2. Levy,
    leve a leve e suave proximidade democrática de sacar que os enunciados de violência na Colômbia ou em Manaus são os mesmos e se comunicam entre si, estabelecendo uma ditadura de falsos conceitos por todos os cantos, que passam pela falsa noção de liberdade, de democracia, de política, etc. Mas com Daniel, não leve a mal, ditador, você não tem vez. Ele tem olhos de ver, como diria o poeta…
    Valeu!

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