POR UMA UMBANDA COMO CULTO LIVRE E PRODUTOR
Este Bloguinho Intempestivo vem desde o seu início numa relação de vizinhança com as religiões afro, buscando um encontro de aumento de potências de agir. Uma plurivocidade sem identidade, onde essas religiões potencializassem a sua voz num plano que permitisse o enfraquecimento da discriminação teo-mercadológica por parte, na maioria das vezes, de denominações igrejais, sobretudo as disangélicas (a má nova, o ressentimento de Paulo de Tarso).
Assim, este trabalho sem fins lucrativos no plano das relações capitalísticas, mas fértil em aproximações e criações de linhas intensivas afetivas-afetantes tem crescido e tocado em territórios onde antes a pluri-voz não chegava. Com isso, a aproximação de outros corpos que se apresentam para novos encontros é intensa: alguns destes corpos – a maioria – apresenta noções comuns com o trabalho do AFINSOPHIA, o que só aumenta a potência de agir e a visibilidade no plano das relações comunitárias das religiões da natureza.
No entanto, alguns corpos nada estranhos tentam orbitar no corpo Afro-Afin. São corpos que não carregam elementos corporais e incorporais de produções autônomas e livres, mas estão carregados nos clichês e signos redundantes do modo de produção capitalístico. A maioria deles é de disangelistas anti-cristos, que não compreenderam que Jesus também dança ao som contagiante dos atabaques, e cultuam um Cristo-Propriedade, eternamente na cruz, para deleite de uma culpa supostamente universal.
Foi nesta composição plurivocal, onde as vozes não têm identidade, mas potência criadora, foi que os queridos Edson “Moço Chocola” de Caboclo Codoense e Pai Nino, que estiveram na festa de Caboco Tupinambá e Caboca Iracema, no terreiro de Mãe Tânia, aproveitaram para animar a discussão sobre a hierarquização e mercadologização dos cultos afro, e a tentativa de alguns “especialistas” de produzir sentenças judicativas, mais afeitas à moralidade de classe que nega o movimento intensivo do que à uma análise partida de um iniciado nas religiões e cultos da Natureza. Fiquemos, pois, com as sábias palavras do Moço Chocola:
“Meus irmãos e amigos na fé.
Chamo-me Edson, sou conhecido e chamado carinhosamente pelos meus amigos de Chocolate e pelos guias de Moço Chocola.
Estive na Festa da Casa de minha amiga Tânia. Como sempre que me convida eu lá estou e gostaria de tomar minhas as palavras de meu querido irmão Nino lá de São Paulo, um velho sábio da missão, pois conversamos muito sobre a nossa missão e temos a seguinte conclusão sobre essa coisa de “CERTO ou ERRADO”. Gostaria de dizer que sou velho, que já tenho muitas experiências dentro da nossa querida Umbanda, que a conheço como a palma de minha mão, mas não posso. Pra ser totalmente sincero, tenho até medo de quem chega a cogitar tal possibilidade de si próprio. Venho acompanhando nesses últimos anos as salas de chat sobre Umbanda, algumas comunidades do Orkut, algumas listas de email de alguns terreiros e às vezes fico ainda com mais medo do que vejo. Fico com medo da prepotência, da intolerância e da ganância.
Prepotência porque não se ouve o próximo. Lê-se o que é dito com a certeza de que está errado. Raras as vezes que se lê que diferenças existem, e que tem que ser respeitadas. Intolerância porque essas diferenças causam brigas e trocas de ofensas, por detalhes sem importância. Afinal, que importância real tem nomear assim ou de outro modo uma faixa vibratória? Que mal tem uma pessoa entender por “Orixá” uma lenda ou uma energia? Que mal tem se Egunitá é Orixá ou o Egum da mãe Anita? Afinal, o que deveria importar não são a caridade e o amor com que se fazem os trabalhos? Ganância porque vejo cada vez mais gente querendo lucrar com o “incobrável”. São cursos e mais cursos brotando em colégios, faculdades, cursos livres, casas de estudo e quais nomes mais conseguirem encontrar. Uns querem construir um órgão supremo de Umbanda, outros querem ensinar os Sete Tronos de Exú. Cada um se esquecendo que Umbanda está no coração, e não no bolso. E é de graça que se dá o que de graça se recebe. E cada vez mais vejo novos dogmas aparecendo por aí. Dizem que no terreiro tem que cumprimentar entidade cruzando as mãos. Dizem que tem que bater no chão. Dizem que tem que rezar, que tem que incorporar assim ou assado. Dizem que tem que rezar o Pai Nosso antes da Ave Maria. Dizem que Jesus não é da Umbanda, dizem que se defuma antes de abrir as cortinas. O que importa? Posso apostar que do lado espiritual eles não fazem a mínima questão de nada disso, desde que estejamos com nossas mentes livre e nossos corpos cheio de amor e compreensão.
O mais bonito na Umbanda é sua diversidade, porque ela atende a diversidade espiritual que existe. Atende o analfabeto e o letrado. Atende os espíritos evoluídos, os atrasados, os endurecidos, os perdidos, os que nem sabe que são espíritos. Atende o negro e o branco, o amarelo e o vermelho. Atende o homem e a mulher e não faz diferença. Atende o humano, o animal, o vegetal, o espiritual, o mineral. Tudo depende de si próprio, pois é consigo mesmo que a Umbanda é feita. E por tal motivo, cada Umbanda é única, a minha Umbanda é diferente da Umbanda do dirigente da casa que freqüento. É diferente da Umbanda da minha noiva, da Umbanda do MacMônico, da Umbanda do Miudu, da Julia, do Edson, dos meus pais, dos meus “mentores espirituais”, mas ainda assim todas são uma única Umbanda, pois todas atendem ao princípio básico da religião: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. O resto é confete, ou melhor, adaptação.
Assim como um pronto-socorro é diferente de uma clínica, pois tem princípios diferentes, embora os motivos sejam os mesmos, os terreiros têm suas peculiaridades, dependendo do público espiritual que o freqüenta. Meu desenvolvimento foi único, em meu tempo de desenvolvimento, aprendi as lições pertinentes para a minha evolução e para a evolução dos que me cercam e, a partir daí, meus consulentes são selecionados para serem atendidos de uma forma que se afinem comigo. Não por mim nem por ninguém, simples questão de afinação energética. Os que tomam um passe comigo e gostam acabam voltando, os que não se afinam, escolhem outro médium em uma próxima ocasião. No desenvolvimento do MacMônico, ele aprendeu coisas pertinentes à sua evolução e, apesar de sermos da mesma época, do mesmo terreiro, aprendemos coisas diferentes. O que levaria, então, nós dois abrirmos um terreiro e levarmos as coisas de uma mesma forma? Não faria sentido. Se assim fosse, a “clientela” seria muito específica, não poderíamos levar o bem e o amor a todas as camadas da sociedade, a todas as pessoas, pois todos somos diferentes, essa é a beleza, e seria tão chato quanto ir a igreja se todos os terreiros fossem iguais, com “missários” dizendo em que momentos se deve ascender os turíbulos ou fazer o sermão, sobre o que deve-se falar e quais músicas cantar. Quando um deve entrar e outro assumir e o que deve ter aprendido até lá.
E por que estou escrevendo tudo isso?
Porque tenho visto uma busca incessante por apostilas de cambones, de mediunidade, de ogãs. O que o cambone faz? O que é necessário para o seu terreiro prestar a caridade. O que o Ogã faz? O que é necessário para o seu terreiro prestar a caridade. O que o médium faz? O que é necessário para o seu terreiro prestar a caridade. Como eles fazem? Isso vai de cada estado, de cada cidade, de cada cultura, vai de cada casa, de cada um, de casa situação. O estudo sempre é útil, claro, mas às vezes precisamos ter uma alta quantidade de discernimento para ver, ouvir e selecionar. Senão caímos naquela velha história de sempre: prepotência, intolerância, ganância.
Então meus queridos irmãos. Sejamos sensatos e não apontemos o dedo nas feridas alheias, importante é que cada Umbanda é uma Umbanda, cada casa é uma casa e por ai vai, gostaria de parabenizar a Tânia aos convidados e também a AFIN pelo belo incentivo e pela divulgação dos cultos afro-brasileiros.
Muita Paz e Amor!”
Pai Nino e Moço Chocola de Caboclo Codoense (membro da FUCABEAM).