Um beijo, seja na boca ou em outra parte do corpo, não é só uma composição sensório-erótica. É uma enunciação que carrega corpos materiais e imateriais político, social, histórico, moral, religioso, estético, reservas de uma movimentação da economia ontológica do homem sempre a agir como dispositivo da liberdade. E, então, quando se trata de um beijo entre seres homoeróticos, mais liberdade, já que as clivagens castradoras materiais e imateriais, nestes corpos, tinham, e tem, o destino de suas eliminações.

Um beijo tem duas forças de deslocamentos (trepidações) destes códigos enunciativos. Um, no ato de beijar. Outro, no ato do olhar. No primeiro, há certeza da liberdade. No segundo, a liberdade ainda é dúvida. De qualquer forma, o beijo é sempre composição elevadora do existir. Nisso a fundamentação da presença dos beijantes. Quem olha não beija, é desviado pelo fetiche que substitui as bocas.

Um beijo em televisão, principalmente em telenovela, não carrega qualquer disjunção libertadora. Um beijo neste território é sempre uma mercadoria. Um fetiche que elimina o objeto do desejo: os lábios transgressores condutores à liberdade. Um beijo-mercadoria carrega a dupla abstração (Marx) do objeto (como o dinheiro) que impossibilita a realização do signo político-social, já que perdeu suas notas visuais e representativas, por tratar-se de um fetiche. A desrealização dos corpos. Surge como corpo fálico, virtual, sem potência signo: a sua realidade social. Sua referência lingüística. Em telenovela não há vida. Portanto, não há beijo. “Tão falso como um beijo de telenovela”, diz o irônico poeta sobre seu amor-virtual. Querendo-se hiper-real, até o hálito é descondensado.

O BEIJO GAY DA GLOBO

Dada a exclusão perpetrada historicamente pela moral hebraica-cristã-burguesa, o beijo homoerótico se insinua duplamente como fetichismo. Para esta moral, o beijo homoerótico não é real. Não habita o universo sensual da realidade moral heterossexual. Daí ser transformado pela Globo-Aguinaldo, em moeda de troca de audiência. Não há a transgressão que ambos tentam embalar no universo psicodélico da indústria de consumo. A dupla jamais se permitiria isto. Há um caricato beijo, grotescamente exibido como patética mercadoria refletora de uma estúpida curiosidade. Bizarrice: O gay é de outro mundo. “Viu o beijo na boca do gay da Globo-Aguinaldo?” Serve como mercadoria de sondagem para desvalidos-sexuais de jornal, como a reacionária Folha de São Paulo. Diria, este sim transgressor, Tom Zé: “Pra vender muito jornal”. Alguém poderia perguntar: “E se os atores forem gays, o beijo não seria real?” Não. Seria a triplicação fetichista do beijo. Nenhum gay finge beijar. A TV como abstração formal da vida posta à simulação. Um beijo antes de ser gay, ele é bio/cultural: os bebês produzem os seios de suas mães sugando/beijando. Fora da codificação sexo/classificatória como pretendem a Globo-Aguinaldo.

A FRENTE PARLAMENTAR MISTA PELA CIDADANIA GLBT

A transmissão desta cena será de grande valia, pois desta forma será mostrado ao público que a manifestação de afeto entre duas pessoas do mesmo sexo…”, defende a deputada do PT-RJ, Cida Diogo. Caiu na armadilha Globo-Aguinaldo. Gay não é virtual. É real. Beija na vida real. Em telenovela não há afeto. Afeto, como diz o filósofo Spinoza, é corpo que compõe encontros que diminuem ou aumentam a potência de agir. Em telenovela não há corpos compossíveis. Só quimeras: entes imaginativos sem essência e existência. Cida pretende convidar Aguinaldo-Globo para participar do encontro nacional sobre “Direitos Humanos e Políticas Públicas: O Caminho para Garantir a Cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais”. Convictamente, afirma: “O Aguinaldo Silva está fazendo um trabalho importantíssimo junto à sociedade”. Não está. Faz parte da máquina despótica devoradora de mentes, e alienadora de telespectadores globotizados. Aguinaldo é reacionário desde o tempo (70) do Lampião da Esquina (talvez o primeiro jornal com temas homo), do escritor Gasparino da Mata, Cury, etc. A sociedade brasileira para Aguinaldo é a folia psicótica que a Globo produz e defende. Por isso que ele é quindim desta telespectral. Aguinaldo é tão importante para os gays quanto o ‘Cansei’, por isso coloca diálogos em seus personagens que insinuam agressões contra o governo Lula.

Não é um fálico beijo-gay na telenovela da Globo-Aguinaldo que vai auxiliar na autenticação ontológica dos homoeróticos. Pelo contrário, vai ajudar mais ainda no fortalecimento do conceito de que são entes curiosos, bizarros, descarnados do amor, liberdade e atuação na vida. Meros saltitantes entes ficcionais. Motivo para a trapaça do põe ou não põe na tela. Motivo da carta da deputada à Globo que não entendeu que o Mundo É Gay.

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