O MEDIUM TELEVISIVO E A OPINIÃO PÚBLICA
POR UMA MÍDIA QUE VÁ PELO MEIO
Ampliar a Noção Habitual de Mídia
“Responsabilidade moral de erradicar o mal e mostrar as enfermidades sociais”. Este era o axioma central que fundamentava a transformação do jornalismo em profissão no século XIX, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Este axioma foi evoluindo junto às mídias e se constituiu como o código moral de classe cristalizado nos meios de comunicação. A mídia foi se estabelecendo como veículo de denúncias das mazelas sociais para se conservar como mantenedora da ordem. Então sua função não ficou em apenas fazer com que informações passassem de um ponto a outro no espaço e no tempo, mas também a de um agente “social” que destacasse casos na multidão de acontecimentos que servissem como exemplos para manter a constante manutenção da disciplina e do controle da ordem normativa.
A noção habitual de mídia então passou a ser entendida como uma espécie de vitrine que coloca à mostra a realidade para todos. Leva a realidade a ser vista através de suas técnicas e modelos de veiculação midiática. O profissional da mídia (seja lá qual for a sua função) se torna responsável por conscientizar o público e servir de exemplo.
Daí um problema habitual: sendo o modelo de mídia que se toma como oficial, centrado em grandes dinastias familiares, o que fazer para que a mídia não se limite aos ditames da moral de classe dessas dinastias midiáticas?
Talvez seja deste problema, colocado de maneira muito rápida, que nasça os brados que reivindicam uma mídia livre/alternativa, a partir de uma mudança de modelo. Mas a questão não é bem esta. Nem a do problema. Nem a da sua afoita solução.
Antes mesmo de a mídia funcionar como instrumento de dominação por essas dinastias, ela já se pretende como agente conservador da dominação capitalística. Percebe-se isto quando se vê que a mídia realiza uma antecipação de denúncias e repressões àqueles que infringirem a semiótica capitalística. O discurso da mídia é fundamentado em enunciados persecutórios próprios de um regime de signos despótico. Entretanto, a própria mídia desconhece isso. De tão inserida na subjetividade capitalística, ela faz isso com naturalidade e passa a ser personalizada por esta subjetividade dominante. Tanto que ela na ânsia de cumprir seu dever moral, naturalmente, só mostra o sujeito como indivíduo em momentos específicos.
Os meios de comunicação falam do mundo das pessoas, que transformam em até superpessoas. No jornal, no rádio, na televisão, nas revistas, o indivíduo só aparece no registro policial, quando se personaliza através da violência. Ou então no Carnaval, quando se torna personagem de um fato da história nacional. Ou ainda no misticismo ou no futebol, quando se destaca por seus dons ou poderes superiores. (Laymert G. dos Santos)
Uma noção ampliada da habitual de mídia, portanto, não está somente na abolição da lógica de mercado da sua organização. Uma questão que talvez não seja levada tanto em conta é que a noção predominante de mídia é aquela que é produzida pela subjetividade capitalística dominante. São as redundâncias dominantes capitalísticas que povoam a noção e a prática das mídias. Então, as formas de falar, os gestos, os procedimentos, a forma de usar a informação, a maneira com que os significados vão se apartando de qualquer acesso à realidade, instituem na mídia uma ordem fundamentada nos códigos capitalísticos.
Talvez a mídia seja vista somente como uma série de veículos de informações manipulados pela economia de mercado, que determina seus níveis de organização. Daí surgir idéias favoráveis de uma mídia livre/alternativa à medida que ela seja guiada pelas pessoas certas. Basta criar uma programação cultural, educacional e de entretenimento distante dos ditames do mercado. Logo se terá uma mídia comprometida com a sociedade. Todavia, a mídia não é apenas manipulada. Ela própria se esforça, com o seu aparato técnico-funcional, para teleguiar e codificar comportamentos e estabelecer valores da subjetividade capitalística. Ela traz em suas variadas estruturas técnicas (a impressão, a imagem, o som, a grafia, etc) a força de marcar a expropriação do que acontece no público e transformá-lo em uma banalidade cotidiana sem sentido, a qual é posta nas casas, fábricas, escolas e outros lugares como notícias “naturais” que repugnam, enojam ou reforçam as culpas familiares.
Transformar a mídia em livre ou alternativa não se trata de criar um modelo livre ou alternativo. A mídia pode muito bem mudar de organização e continuar mantendo sua planificação subjetiva. Ela pode ser tachada de alternativa, cultivar uma rede envolvida com os movimentos sociais, mas sempre conservando a reprodução da subjetividade capitalística. A preocupação em produzir um modelo de mídia diferente da que se toma por oficial já caracteriza uma reprodução desta subjetividade.
(…) Não se trata, nunca de propor um modelo alternativo. Mas sim de, ao contrário, tentar articular os processos alternativos quando eles existem. (Félix Guattari)
Talvez, colocar a mídia livre como uma opção não requeira uma transformação dos meios de comunicação. Mas, ao contrário, a produção de outros meios que estejam completamente fora da mídia dominante. Então são necessárias outras relações de fala e escuta, outra linguagem, criação de produções novas que não ocorrem de jeito algum na mídia dominante. Processos que atravessem as experiências das pessoas pelo meio de suas existências e não de pontos marcadores de poder. Uma mídia que se livre de qualquer ponto de referência capitalístico.
Partir do meio da existência. Partir de onde não há um começo ou um fim. Criar o caminho caminhando pelo meio dos acontecimentos. Desprezando as sistematizações arborescentes, hierárquicas de cima para baixo ou de baixo para cima dos acontecimentos. Não há o acontecimento mais importante. Há experiências que são únicas. Há encontro de experiências. Criar. Produzir o novo. Pelo meio. Pelo medium.