“Sou simplesmente um companheiro de caminhada com vocês.

Sonhem e construam conosco esta nova pátria.”

Não teve sanção do Vaticano, suspensão a divinis, não teve ameaça de atentado, inclusive com a morte de companheiros, não teve uso da máquina pública, não teve corrupção eleitoral, não teve spray de pimenta que freasse os estudantes, trabalhadores, artistas, comunidades originárias, o movimento Tekojoja, todos que seguem a linha do agenciamento de enunciação Fernando Lugo à presidência do Paraguai.

Advindo de uma família que sofreu perseguição da ditadura de Stroessner, tornou-se bispo da Teologia da Libertação, próximo de Frei Beto, Leonardo Boff, Dom Hélder Câmara. Em 1983 foi expulso do Paraguai nada menos por causa de seus “semões subversivos”. Imagine um bispo para quem a religião é uma prática ativa no mundo:

“O domingo é o dia da ressurreição. E o Paraguai ressuscitará nas urnas.”

Em 2004 a Igreja o aposentou sem apresentação de motivos, mas todos viram no ato uma forma de minar sua influência política e a oposição ao presidente Nicanor Duarte, do Partido Colorado, que há mais de 60 anos até ontem dominava o Paraguai. Como diz a música de Hélio Contreiras, “quero vida aqui na Terra e não no reino dos céus”, em oito meses de campanha, Lugo, que os “pequenos” paraguaios chamam Tekojuja, que em dialeto guarani quer dizer “viver entre iguais”, chega com um compromisso de alteração do estado de desigualdade social secular no país. Como a dominação do Partido Colorado ainda se estende por todo o Paraguai, Lugo, como diria Brecht, terá que “chafurdar na lama” para promover as mudanças necessárias e o aumento das potencialidades democráticas do povo paraguaio. Com certeza a direita e a classe dominante vão querer, como quiseram com Lula no Brasil, emperrar de todas as formas sujas este movimento. Mas com o apoio dos movimentos populares e dos “pequenos”, que têm “Fé en el cambio” (fé na mudança), ele já é uma real alternância de poder.

Hoje podemos afirmar que os pequenos também estão capacitados para vencer.”

Para a América do Sul, Lugo aparece como um fortalecimento na linha democrática Lula, Kichner, Chávez, Morales, Correa, Bachelet, Vázquez. Tem até quem afirme que só falta Colômbia e Peru, referindo-se a países do continente que não se submetem à política e economia norte-americana e que enviesam pela esquerda. “Eu sou o buraco no centro do poncho”, diz; ou seja, centro como propulsão de políticas públicas e sociais que devem se espalhar por todo o Paraguai, é a fresta de luz no buraco negro convergente do capital. A seqüelada imprensa brasileira, tal qual no caso da Petrobras na Bolívia, já toma partido e tenta tirar proveito da questão em torno do Tratado de Itaipu, selado nas ditaduras Médici-Stroessner. É que a imprensa estava há muito acostumada com a irracionalidade da direita, da qual o atentado à soberania do Equador pela Colômbia de Uribe é um exemplo. Talvez a imprensa até queira insuflar uma segunda Guerra do Paraguai, mas provavelmente a questão será resolvida no diálogo democrático pela dupla Lula-Lugo. Como diz Lugo:

A presença de pessoas que se identificam com a esquerda no Paraguai vai garantir uma governabilidade mais pacífica, baseada na racionalidade e no pluralismo.”

Assim como também com a bela presidenta Cristina Kichner da Argentina a respeito do Tratado de Yacyretá, sobre a construção de uma represa. Com Chávez já ficou acertado um encontro o mais breve possível para discutirem o Unasul, um projeto de integração na América do Sul. Bush é que deve ter ficado triste, pois a cada vitória com sabor de esquerda seu Império rui.

E assim o diálogo, os direitos, a realidade humana vai sendo restabelecida nas Américas. Por isso deixamos aqui a música Todavia Cantamos, de Victor Heredia, que, artisticamente engajado, acompanhou Lugo, tendo nesta música cantada pelo povo paraguaio como um hino da campanha:

Todavía cantamos, todavía pedimos,
todavía soñamos, todavía esperamos,
a pesar de los golpes
que asestó en nuestras vidas
el ingenio del odio,
desterrando al olvido
a nuestros seres queridos.
Todavía cantamos, todavía pedimos,
todavía soñamos, todavía esperamos;
que nos digan adónde
han escondido las flores
que aromaron las calles,
persiguiendo un destino
¿Dónde, dónde se han ido?
Todavía cantamos, todavía pedimos,
todavía soñamos, todavía esperamos;
que nos den la esperanza
de saber que es posible
que el jardín se ilumine
con las risas y el canto
de los que amamos tanto.
Todavía cantamos, todavía pedimos,
todavía soñamos, todavía esperamos;
por un día distinto,
sin apremios ni ayuno,
sin temor y sin llanto,
porque vuelvan al nido
nuestros seres queridos.
Todavía cantamos, todavía pedimos,
Todavía soñamos, todavía esperamos…

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