*……….::::: CHAGÃO ESPECIAL:::::……….*
DA INEXISTÊNCIA DO FUTEBOL AMAZONENSE
Pesquisa realizada em Manaus dá conta de que 40% dos locais não torce para nenhum time local. Dos restantes, 26% torcem para o São Raimundo, 18% para o Nacional, e o restante está pulverizado pelos outros times.
Quando o quesito é preferência nacional, o rubro-negro da Gávea, Flamengo, lidera com 36%, enquanto o segundo colocado, o também carioca Vasco da Gama, tem 19%. O terceiro colocado já é o São Paulo, com 7%.
Se a situação não é muito diferente de outros centros futebolísticos estaduais, é possível ao menos apontar um vizinho onde o interesse pelo futebol local não se limita a olhar a janelinha da televisão: Pará.
Independente de times como Paysandú e Remo terem estado recentemente no campeonato nacional da primeira divisão, a torcida paraense para os principais clubes do Estado não sofre com as oscilações de desempenho e nem com as trapalhadas das diretorias.
Em Manaus, embora o fenômeno não seja exclusivo, o futebol profissional há muito que se tornou trampolim eleitoral para candidatos, no executivo e no legislativo, o que inviabiliza a produção de um futebol autônomo, realmente profissionalizado, que gere renda e que interesse ao torcedor. E a imprensa ainda se indigna com a pesquisa, sem no entanto sequer apontar para os elementos sociais e políticos que levaram à inexistência do futebol no Amazonas.
Recentemente, esta coluna abordou de forma resumida, o fato do estádio onde o Holanda Esporte Clube, da cidade de Rio Preto da Eva, a 80 km de Manaus, manda seus jogos, ter sido “batizado” com o nome do empresário e sortudo Francisco Garcia, dono de uma filial da rede Bandeirantes no Amazonas, ex-deputado e presidente do PP no Estado. Em Manacapuru, pouco menos de 70 km de Manaus, outra evidência: o estádio do Princesa do Solimões Esporte Clube ostenta o nome do ex-senador, ex-governador e há anos morador do Rio de Janeiro, Gilberto Mestrinho, aliado do governador Eduardo ‘Guerreiro de Sempre’ Braga, e presidente do PMDB local.
Mas nem só de homenagens subservientes a políticos profissionais vive o futebol local.
Há anos, por exemplo, os times que disputam a série C (ou o São Raimundo, que disputou a série B até 2006) ou que disputam a Copa do Brasil, dependem das benesses municipais e estaduais para montar o time ou cobrir a mirrada folha de pagamento. Semana passada, a atual diretoria do Tufão procurou a SEJEL (Secretaria Estadual da Juventude, Desporto e Lazer), comandada pelo ex-deputado federal Lupércio Ramos, premiado com o cargo após derrota nas urnas. Lupércio não tem nenhuma ligação com esporte ou lazer em seu curriculum de político profissional ou cidadão. Já com a juventude… A diretoria quer apoio financeiro do governo para reformar o estádio Ismael Benigno, conhecido como Estádio da Colina, particular, e que está interditado por falta de condições de uso.
Mas a prática que se tornou comum foi o uso da diretoria dos clubes para alavancar campanhas eleitorais. Prática que, num primeiro momento, pode parecer contraditória, afinal, ser dirigente de clube num Estado onde não existe futebol, não dá votos. Mas permite, como em qualquer outra parte do Brasil – Eurico Miranda que o diga –, que recursos financeiros sem nenhum tipo de fiscalização ou prestação de contas. No mundo inteiro, o futebol tem sido usado como lavanderia de dinheiro, seja na compra e venda de jogadores, empresas fantasmas, balanços adulterados, subornos, tudo com a conivência da FIFA.
O primeiro e mais tradicional, o Nacional Futebol Clube, por onde já passaram o ex-deputado Manoel do Carmo Chaves, conhecido como Maneca, também envolvido no Peladão, torneio onde o documento exigido para inscrição é o título de eleitor, e o vice-vice-vice e atual prefeiturável, Omar Aziz, que quer mostrar uma ligação fictícia com o futebol e o carnaval de Manaus, sem compreender que um movimento social não se faz a partir da hierarquia e do já estabelecido.
No São Raimundo, o desfile de figuras também foi intenso no final dos anos 90, quando o clube chegou à segunda divisão do campeonato brasileiro, e venceu a Copa Norte por três anos consecutivos. Mais uma vez, Maneca estava envolvido, desta vez junto com Ivan Guimarães, também egresso do Nacional.
Sempre as mesmas pessoas. Da mesma forma, a FAF foi comandada por Dissica Thomaz durante anos, até que se elegeu prefeito de Eirunepé (interior do Amazonas).
E o futebol amazonense, cada vez mais decadente.
Atualmente, os clubes de maior sucesso no certame regional são os que têm na sua diretoria políticos profissionais. A exemplo do Brasiliense (do ex-senador Luís Estêvão), os clubes alcançam algum sucesso, efêmero, pois os investimentos necessários para que o clube se organize e se mantenha inexistem.
O atual campeão do primeiro turno e representante do Estado na Copa do Brasil, o Fast Clube, chegou a mudar de domicílio – de Manaus para Itacoatiara – a fim de obter benesses financeiras da prefeitura local, e alavancar a eleição do atual deputado estadual e presidente do clube, Donmarques Mendonça. Ele foi acusado, no final do ano passado, de deixar as finanças do clube em situação vexatória. Detalhe: a cidade de Itacoatiara tem um clube local, o Penarol Atlético Clube, que disputou ano passado a segunda divisão do campeonato amazonense, e cujo presidente é desafeto do atual prefeito da cidade.
Também o São Raimundo, de torcida relevante no cenário local – capaz, por exemplo, de ajudar na eleição de um vereador – já tem seu político profissional na diretoria. Embora a imprensa manoniquim faça a cisão esquizóide, procurando dissociar as duas “identidades”, Jairo Dias, atual presidente do Tufão, e Jairo da Vical, vereador que tenta emplacar a derrota estudantil do passe livre na CMM, são a mesma pessoa.
CEPE (Iranduba) e Holanda (Rio Preto da Eva) são clubes sem estrutura, montados às vésperas, e que servem muito mais à propaganda eleitoral dos prefeitos das respectivas cidades que a um projeto a longo prazo de um clube de futebol.
Embora em tempos idos tenha havido o sopro amadorístico do futebol manoniquim, carregando a alegria lúdica, as pessoas que estão adiante do futebol profissional no Amazonas há pelo menos duas décadas são responsáveis pela decadência deste, e pela inexistência do futebol amazonense.
O futebol de uma cidade só pode existir se for em composição alegre com esta, se for uma criação das pessoas tendo como fim a produção subjetiva lúdica que carrega o jogo-futebol. Portanto, não bastam apenas apontar como glórias sucessos pontuais de clubes, como se quer construir historicamente no futebol local, mas é preciso observar da perspectiva em que o esporte não é visto como política pública nem pelo governo estadual nem pelo municipal, e que acaba por se tornar presa fácil para políticos interessados mais na promoção eleitoral do que no futebol como expressão lúdica-política de um povo.
Por isso, não se pode dizer que exista futebol profissional no Amazonas.