Coma coca, una hoja de coca comida

es una hoja de coca menos para el narcotrafico.

Con una hoja de coca legal podremos curar

y alimentar a la humanidad entera.”
(Agustín Guzmán)

Imagine que a mandioca com a qual os índios e cabocos produzem a farinha acabasse sendo proibida porque dela também se faz o caxiri, uma fortíssima bebida também produzida pelos índios a partir de seus tubérculos. Imagine que a papoula não pudesse mais enfeitar um jardim ou ser usada na culinária porque dela também se faz um chá alucinógeno e, mais refinadamente, o ópio. Seguindo a linha, imagine que do milho, que se faz o aluá… Imagine da cana, que se faz o açúcar, mas também a cachaça… Existem inúmeras plantas que podem servir para o alimento do corpo, mas também para a destruição da alma ou tão somente para alegrar uma festa, uma conversa. Assim como da cobra pode sair a essência para o perfume ou o remédio, mas também o veneno letal. Tudo está na subjetivação dos homens que a manipulam. Por que, embora o representante do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crimes (UNODC) para o Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, reconheça que “existe a coca nativa, que é usada tradicionalmente pelos indígenas há milênios”, por que se formou essa diabolização da coca, a ponto da ONU tentar, a despeito de não ser o seu papel, obrigar Peru e Bolívia a proibir o “coquear”? Por que se sobrepõe ao uso tradicional o uso ilegal pelo comércio ilegal e as sanções se estendem a eles àqueles?

Quem vicia é o Mercado. Mas no próprio Mercado Mundial há formas de introjeção legalizadas. Nos Estados Unidos, embora a Suprema Corte tenha decidido em contrário em 2005, vários estados continuam a permitir o uso medicinal da maconha. Se o consumo aumenta a cada ano, se tem se tornado a primeira cultura da agricultura norte-americana a culpa não é da medicina, muito menos dos andinos. Com a coca, o exemplo mais provado e arrotado é a coca-cola. Inventado no final do século XIX, era inicialmente um remédio para tosse (Pemberton’s French Wine Coca), tornando-se refrigerante, recebeu o nome atual por usar coca e noz-de-cola em sua fórmula. Apesar de divulgar que atualmente baniu a coca de sua fórmula, a Coca-Cola Company compra 115 toneladas de folha de coca do Peru e 105 toneladas da Bolívia por ano. Testes da Polícia Federal brasileira comprovaram ano passado que a Coca-Cola ainda usa a Erythoxylon em sua fórmula secreta de refrigerante. Como, segundo as análises feitas no início de 2006, não houve comprovação de que o emprego da coca gerasse o aparecimento de cocaína ou outro entorpecente na coca-cola, a multinacional apresentou uma defesa, dizendo “não há nenhuma substância ilegal na fórmula do produto”. No entanto, no mínimo isso fere diretamente o código de defesa do consumidor, pois não se especifica no produto tal ingrediente; além disso, conforme a Agência Brasil de Fato, pela Lei de Fiscalização de Entorpecentes em vigor no país, o Decreto-Lei 891 de 25 de novembro de 1938, o uso desta substância e de suas preparações é terminantemente proibido, mesmo que não acusem alcalóides entorpecentes”. No Brasil, até então a Coca-Cola parece não ter alterado em nada sua fórmula secreta, e continua vendendo livremente. Enquanto isso, na Colômbia, as ordens de Bush Jr. ao seu refém, Álvaro Uribe, para proibir todo e qualquer produto contendo coca vai sendo cumprida, menos para uma empresa. Advinha qual? Enquanto o Coca-Sek, refrigerante preferido da juventude colombiana, foi proibido, a Coca-Cola continua vendendo melhor ainda, sem seu principal concorrente. Segundo os nasa, como são chamadas diversas tribos cocaleras, foi a própria Coca-Cola Company que pressionou o Instituto Nacional de Vigilância de Medicamentos e Alimentos (INVIMA) para fazer essa intervenção. Tudo porque a multinacional estadunidense, não conseguindo emplacar sua marca nos colombianos, entrou na justiça com uma representação contra a Coca-Sek, acusando a empresa colombiana de roubo de seus direitos autorais, mas em outubro do ano passado perdeu a ação, e agora em fevereiro, como observa David Curtidor (representante de vendas dos nasa e encarregado pela Coca-Sek), aparece esta sanção. Aí está pra todo mundo ver a fórmula secreta da Coca-Cola. Não somos contra o uso de coca pela coca-cola, somente discordamos de seus métodos e seus fins globalitatários, como a parte de impostos doados pela empresa para compra de armas para serem usadas no Iraque. Por isso, Evo Morales, um índio cocalero que chegou a presidência com promessas de estabilizar a situação das tribos e comunidades cocaleras da Bolívia, constantemente ameaçadas pelo Grande Capital, afirma:

“Não é possível que a coca seja legal para a Coca-Cola e ilegal para a comunidade andina. É preciso revalorizar a folha.”

Entre os andinos, há milhares de anos, a coca é uma planta não só usada para outros tantos milhares de fins, como também é venerada pela população. Com ela, sacerdotes fazem oferendas a Pachmama, a Mãe Terra, por ter lhes dado a Coca Mãe. E com as folhas desta fazem desde adivinhações da sorte e do futuro até rezas e curas de todos os tipos de doenças. Para os incréus, cientificamente são comprovados por estudos até na Universidade de Harvard as propriedades da coca:

Os efeitos medicinais da folha da coca são como de um estimulante, além de melhorar o metabolismo, a orxigenação do sangue, a freqüência respiratória, o mal de altura (mal de puna ou soroche), diarréias, dores de cabeça, anemias, tirar a fome e ajudar em problemas estomacais. Por ser estimulante e revigorante, as folhas de coca são mastigadas pelos camponeses com o propósito de recarga das energias no duro trabalho empreendido nos campos e nas grandes altitudes. A composição da folha de coca contém fósforo, ferro, cálcio, proteínas, carboidratos, vitaminas como a A, B1, B2 e C.” (no Terra Mística)

Como permite suportar a fome, a Organização Mundial da Saúde diz que seu uso prejudica a nutrição. Quem prejudica, mais uma vez e sempre, é o Deus Mercado e todos os seus profetas (alguns citados aqui neste texto: chefes de Estado e representantes multinacionais), com seus mecanismos formadores e mantenedores da exploração e das desigualdades, com as quais ele se alimenta. Além do chá da coca, que já está sendo exportado oficialmente para o Japão, “a folha origina produtos como chicletes, desinfetantes e até um alimento – uma massa composta de sua matéria prima” (EngAlimentos). E o índio-cocalero-presidente não está só falando, suas palavras são ação no mundo. Evo Morales legalizou a plantação de coca na Bolívia e até propôs logo no início de seu governo a utilização da coca como alimento na merenda escolar. Por outro lado, comprometeu-se em combater a produção de cocaína e o narcotráfico, o que não é uma tarefa fácil, pelo seu poder decorrente do envolvimento com o poder constituído. Para os Estados Unidos, por exemplo, o combate ao narcotráfico serve apenas como desculpa para os Estados Unidos destruir a história e a singularidade de outras nações e controlá-la para tirar proveito econômico, como faz por todos os cantos por onde passa. A estratégia não é atacar o narcotráfico, que tem o seu importante lugar na decadente economia norte-americana, mas principalmente impedir que países como a Bolívia, Peru e Colômbia não desenvolvam formas alternativas próprias de sobrevivência, enquanto os interesses de suas multinacionais, como a Coca-Cola, é preservado.

Así como la uva no es vino, la coca no es cocaína.”

Clique aqui para acessar os outros textos do Barato da Onu.

1 thought on “O 'BARATO' QUE PREOCUPA À ONU NÃO DÁ BARATO (II)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.