Com a chegado do pique momesco, a ordem do conselho evangélico era manter os fiéis o mais distante possível das tentações pagãs do carnaval. Nem sonhar em cair na tentação dionisíaca do carne vai. Para tal, os pastores da igreja resolveram conduzir suas ovelhinhas para o ponto mais distante da cidade. Lugar onde não se ouvisse qualquer som profano. Na sexta-feira gorda, ao meio dia, partiram em caravana composta de vários ônibus, caminhonetas, carros particulares, alugados em busca da terra prometida à salvação. Encararam as quilometragens do asfalto, barro, areia, e já na hora do lusco-fusco avistaram um ponto, segundo os pastores, maravilhoso para levantar o sagrado acampamento. Colocaram as mãos às obras e pronto: o lugar estava povoado pelos abnegados fiéis. Depois de um lanche caprichado, foram fazer as orações. Mal começaram os agradecimentos ao Senhor, ouviram um som trazido pelo vento que arrepiou todos. Do jeito que chegava desaparecia. Ficaram atentos, em silêncio, e tiveram a certeza: o vento trazia música carnavalesca de alguma festa distante que ele aproximava. Praguejaram, levantaram acampamento e partiram em busca de outra terra prometida. Um pastor no ônibus da frente, pela luz do farol, leu em uma placa ao lado direito os dizeres: “Você está saindo dos Cafundós do Judas”. Apertou a bíblia durante uma hora para afrouxá-la só quando avistou um belo lugar. Alegres, desceram dos veículos, montaram acampamento, e se postaram para louvar ao Senhor. Como se fosse uma invasão de bárbaros, músicas de carnaval invadiram o ambiente. Apressaram-se, desmontaram tudo, e tomaram a estrada. Uma obreira, no último carro, leu em uma placa a direita: “Você está saindo da fazenda Quintos dos Infernos”.  À meia-noite chegaram em um terreno com alguns platôs. Lugar ideal para prática da salvação. Mais alegres que das outras vezes, armaram o acampamento ao som de hinos sagrados. Tudo bonitinho. Cansados, preparam-se para dormir. Com um minuto de descanso, o terreno foi invadido por carnavalescos mascarados pulando com tochas nas mãos seguidos por dois carros alegóricos  que pararam no meio do terreno. Desesperados, viram quando desceram dos carros, imponentes, Jesus e o Diabo convidando-os a entrarem na folia, ao mesmo tempo em que o infernal afirmava que nenhum homem pode ser religioso sem provar da alegria desregrada da vida, e Jesus endossava afirmando: “Quem está perto de mim, está perto do fogo. Quem se distancia de mim, se distancia da vida”.  Como eles não queriam ficar distante de Jesus, caíram na folia.

Os darks queriam participar em Londres do Encontro Mundial do Dark-Dor, mas não tinham dinheiro. Pensaram em uma solução e não encontram nenhuma. Foi então que a facção Down Gótico Sofrido propôs uma saída: realizar um carnaval dark cobrando ingresso. Piração total: carnaval dark, nem sonhar! Dark não pode ser alegre, tem que ser sofrido. A facção não se deu por vencida. Apresentou convictamente seus argumentos e ganhou a parada. O baile seria realizado só com música de carnaval-doloroso do tipo: “Bandeira branca, amor… Carnaval desengano… Tanto riso, oh!… Você falou que junto comigo não mais desfilava…”. Aconteceu que o proprietário de um canal de TV mais alguns empresários, ao se certificarem que o carnaval há muito tempo era a maior tristeza, resolveram atribuir um prêmio ao mais doloroso. Para escolher o ganhador, visitaram todos os bailes, bandas, escolas… O resultado criou um dilema: todos eram ‘horroríveis’ de tristes, e a regra do concurso era só premiar o único mais triste. Foi então que alguém lembrou que ainda não haviam ido ao baile dark. Foram, e não deu outra: os darks ganharam. O resto foi chegar em Londres e realizar o pentagrama nos mausoléus da família real.

Então a igreja proferiu a sentença anti-carnavalesca: “Este ano não vai ser igual aquele que passou”, ninguém vai poder cantar “Oh, quarta-feira ingrata chega tão depressa só pra contrariar!”. Ao que os foliões, reagiram: “Não vamos poder cantar ‘quarta-feira ingrata’, então vão acabar as têmporas da igreja. Se não há quarta-feira, a carne não vai, não vai haver quaresma, Cristo não ressuscita e acaba o mundo!”. A igreja tremeu, baixou a bola, foi o ano que mais se cantou “quarta-feira ingrata”, e Cristo saiu fortalecido.

Embriagados pela festa carnavalesca mais as bebidas, os foliões resolveram segurar por mais tempo a carne: foram para um motel. Entre babas de beijos e grude do suor, chegaram ao ninho do love que estava fazendo uma promoção: um dia inteiro pelo preço de três horas, com a condição de só poder sair depois de 24 horas. Antes, nem com a polícia. Os dois zombaram da promoção e disseram que do jeito que estavam só tutano, nem mil anos secava a fonte. O funcionário apresentou o documento que selava o compromisso juridicamente do qual debocharam, mas assinaram. Entraram no quarto tortos de love. A noite correndo e eles só… Uma, duas, três, quatro, cinco, seis… Tantas que o bode de Dionísio dormiu. Treze horas, acordaram sem saber onde estavam e com quem estavam. Na base do “Quem é você? Diga logo que eu quero saber…”, olharam-se e se rejeitaram: a lombra havia passado e deixara eles querendo se desvencilhar um do outro. Chamaram o serviço, dizendo que iam sair, e ouviram a resposta: o carnaval está apenas começando. “Desesperaram. Tentaram várias vezes, e a resposta era: “Contrato é contrato. Vocês estão levando um boi. Vocês foram os únicos que ganharam esta promoção”. Enojados um do outro, vomitaram mais vezes que as transas que realizaram. Dominados pelo intransponível, entregaram os pontos e ficaram a ouvir o tempo se arrastar. Consumado o tempo do contrato, cada um tomou seu rumo. Ela para uma igreja dita evangélica, e ele para um baile gay.

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