UEA: INSTITUCIONALIZAÇÃO E MOBILIZAÇÃO ESTUDANTIL

Após os recentes acontecimentos na Escola Normal Superior da UEA, esta coluna entrou em contato com fontes, e relata agora os acontecimentos, analisando algumas situações que estão ocorrendo.

Com a manifestação dos estudantes, a reitoria resolveu instituir uma comissão de sindicância para apurar as demandas reclamadas pelos estudantes. A comissão, formada por três profissionais da entidade, é coordenada pelo pró-reitor de extensão e assuntos comunitários, o psiquiatra Rogélio Casado. Segundo o relato de alguns estudantes, o pró-reitor já se adiantou a qualquer investigação, se apresentando como ‘amigo pessoal da reitora’, Marilene Corrêa, do PT Oh, My Darling!, e questionou a validade das assinaturas colhidas pelos centros acadêmicos dos curso que compõem a ENS.

DESORGANIZAÇÃO ESTUDANTIL E AS VELHAS PRÁTICAS COOPTATIVAS

O documento ao qual o pró-reitor se refere é um apanhado de reivindicações de vários cursos que compõem a ENS. Além do Normal Superior, os cursos de Letras, Biologia e Matemática apresentaram, através de seus Centros Acadêmicos, pontos a serem discutidos para a melhoria das condições na entidade. No entanto, e principalmente pelo fato dos centros acadêmicos, em sua maior parte, não terem força de mobilização, e alguns de seus participantes serem participantes de agremiações partidárias, o que compromete sua atuação, as reivindicações acabaram por perder força. Não houve concordância em relação, por exemplo, à posição dos cursos quanto à direção da ENS, a professora Maria Amélia de Alcântara Freire. Enquanto o Normal Superior alega não conseguir que suas pautas sejam ouvidas por ela, os outros cursos não manifestaram problemas com a direção ou com seus coordenadores. Muitos estudantes envolvidos nas reivindicações são também concorrentes a bolsas, vagas em projetos e outras situações, as quais comprometem a isenção e a força de atuação das pessoas, que temem represálias, as quais já aconteceram.

A ausência de um entendimento para além da individualidade do saber-mercadológico por parte de alguns estudantes dificulta a existência de um movimento que realmente proponha a discussão das diretrizes da instituição. Compreender que os saberes professados na universidade não pertencem ao Estado senão através de uma norma arbitrária, e que esses saberes são esvaziados da sua potência pragmática pela metodologia aplicada em sua formatação e pelas relações de força que se estabelecem dentro das academias é requisito necessário para que se possa atuar no sentido de enfraquecer esses enunciados violentadores da autonomia e da potência criadora das pessoas.

A FORÇA DA INSTITUIÇÃO: PAJELA ‘BIG STICK’

Um aspecto desta relação de força que procura impedir os estudantes de criar um ambiente favorável às discussões e manifestações autônomas é a postura ameaçadora de alguns professores. Esta coluna soube de relatos de professores do curso Normal Superior que ‘lembraram’ a alunos que eles precisam do ‘apoio’ dos professores para ingressar em projetos de pesquisa, conseguir bolsas, vagas no mercado de trabalho, e que nenhum professor indicaria um aluno ‘problemático’, que fosse muito ‘questionador’. Outros professores pairam com a constante ameaça de reprovação dos alunos que se envolvem neste tipo de questão. Houve o caso de um professor doutor, que leciona uma disciplina de educação infantil, que teria afirmado a seus alunos, numa discussão sobre a complementação do curso Normal Superior para Pedagogia, que estes deveriam se conformar com o curso que fazem, e que professor infantil se forma “para limpar calça suja de criança”. Certamente uma didática ilustração do entendimento do profissional sobre o que ele acredita ser educação. Muitos alunos retiraram o apoio às reivindicações após sucessivas pressões institucionais por parte de professores.

Neste ponto é importante levar em consideração que a maior parte dos professores da UEA são contratados e/ou indicados. Em 2005, foi necessária a intervenção do Ministério Público exigindo que a entidade promovesse concurso público. No entanto, o edital do concurso, com diversas irregularidades, foi contestado pela justiça (só para ter uma idéia, a vaga para professor de filosofia exigia licenciatura na área, ou em administração (!), com a taxa de inscrição no valor de R$ 200,00). As provas do concurso estão marcadas para janeiro de 2008. Até lá, as atividades da instituição podem parar, por falta de professores, já que o contrato de pelo menos 900 deles termina agora fim do ano.

Há relatos de que neste caldo de professores ‘contratados’ existem famílias inteiras dando aula, ou se revezando entre Faculdade de Educação da UFAM e UEA, alguns deles, parentes ou não, concursados na UFAM com DE (Dedicação Exclusiva), e mesmo assim dando aula às vezes em três instituições. A maior parte dos ocupantes dos cargos de chefia são indicados, não havendo possibilidade sequer de indicação por parte dos estudantes ou agremiações estudantis. Muitos deles temem perder seus cargos caso as irregularidades venham á tona, sobretudo em época eleitoral. Mesmo assim, com toda esta situação, a reitora se ausentou em quatro audiências com os estudantes requerentes.

SINDICÃNCIA COMO INSTRUMENTO DE COAÇÃO

A sindicância presidida pelo Dr. Casado, a se confirmar a tendência de culpabilizar os alunos e encontrar ‘furos legais’ ao invés de investigar os indícios apresentados no documento redigido pelos estudantes, constitui prática comum de utilizar instrumentos legais dentro de uma instituição a fim de debelar qualquer possibilidade de modificação nas estruturas ou na dinâmica institucional. Algo que o psiquiatra e (diz ele) entusiasta da Reforma Psiquiátrica, Rogélio Casado, não percebeu ser prática que carrega os mesmos enunciados da psiquiatra policialesca de eliminação dos direitos civis dos doentes mentais e de sua cinscunscrição na segmentaridade dura da ordem do capital. Ele, que durante anos se colocou como ‘oposição’ (sem construir linhas intensivas de alteridade que pudessem enfraquecer o bloco de re-sentimentos da ordem social, sem saber que mesmo que fizesse isso não seria oposição), e que chegou à coordenação estadual de saúde mental no governo do ‘guerreiro de sempre’ Braga afirmando que a reforma psiquiátrica no Amazonas estava atrasada 15 anos. Mesmo com oito anos de governo, ainda não chegou a reforma por aqui. O Dr. Casado, que esteve no Eduardo Ribeiro, devidamente acompanhado de um promissor pupilo, que não se importava em carregar a enorme mochila do tutor, no dia em que tentaram manipular a eleição da Associação dos Usuários do Eduardo Ribeiro, a fim de ganhar mais uma cadeira na comissão estadual de saúde mental, a qual foi denunciada pelo companheiro Jorge ‘Daime’ Gouveia, e debelada pela justiça, anos atrás. O Dr. Casado que, em idos de 87, resolveu protestar contra a política de saúde do então secretário Euler Ribeiro, com a folclórica greve de fome no Hospital Eduardo Ribeiro, técnica de protesto mais marketista do que política, e que hoje se acredita alternativa, unindo-se ao guerreiro Braga. Mais ainda, o Dr. Casado pode se orgulhar de ter inventado a Parada do Orgulho Louco, confirmando a loucura como mais um anátema social. O que fará ele, após essa trajetória na militância médico-social, como pró-reitor de extensão e assuntos comunitários da UEA? Deixou de ser coordenador estadual de saúde mental, ou mantém os dois cargos?

MOBILIZAR É PRODUZIR ALTERNÂNCIAS AFETIVAS

De qualquer forma, aos estudantes que foram ou que continuarão a ser prejudicados nesta situação, é necessário compreender que os movimentos se fazem menos através dos mecanismos formais (embora seja necessária a atuação formal, junto ao MP, por exemplo), do que pelas forças intempestivas, o humor, a ternura, a alegria, territórios estranhos aos que se abrigam sob a força do capital. Enquanto houver resquícios desta possibilidade de mostrar que essa situação transborda seus atores ordinários (professores e alunos), mas que toca em todos os segmentos da sociedade, esta coluna e o Bloguinho Intempestivo estarão acompanhando e informando sobre os acontecimentos.

2 thoughts on “MANAUS: UM PASSEIO PELA NÃO-CIDADE

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