A FÁBULA EDUCACIONAL DO SECRETÁRIO E SEUS BICHINHOS
Os professores de Manaus se sentiram ofendidos pelo prof. Dr. Sérgio Augusto Freire de Souza, Subsecretário de Educação do Município de Manaus, sobrinho do Secretário José Dantas Cyrino Jr, por ele ter-lhes comparado a animais na Arca de Noé. Mas não há motivo para se sentir ofendido. O Dr. Serginho não escreveu nada. Primeiro porque, desde que se sabe com Michel Foucault da inexistência do sujeito, escrever requer sempre uma coletividade, “selecionar as vozes sussurrantes, convocar as tribos e os idiomas secretos”, como dizem os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari. Segundo porque o ato de escrever compreende sempre forçar a linguagem em favor de uma minoria, nunca se dá para reforçar o estado de coisas constituído de um ponto de travação situado na maioria. E terceiro porque, a partir daí, quanto mais um iludido sujeito se outorga sujeito de enunciação, mais ele se presta ao papel que lhe é imposto como sujeito de enunciado, triste sujeito sujeitado. Esse é o vício daqueles que, desconhecendo esses três postulados, tem na escritura uma operação meramente lingüística e não observam a “pragmática (semiótica ou política) que define a efetuação da condição da linguagem e o uso dos elementos da língua”, acabando por se tornarem no escritor pequeno burguês, meros “representantes políticos e literários de uma classe para a classe que representam”, como diz Karl Marx no 18 Brumário.
Então, sem nenhuma compreensão política/literária, Dr. Serginho resolve incursionar por uma fábula. Mas não observou que Esopo, ou as fábulas que lhe são atribuídas, por exemplo, sendo grego, não carrega efeito moral (seria preciso observar os trajetos dessa tradução), pode-se dizer que nele a questão fundamental é conhecer o corpo e a alma para poder agir pela razão e não ser facilmente arrebatado pelas paixões provenientes dos encontros fortuitos. Está mais para uma ética à maneira de Spinoza. O teatrólogo e poeta Bertolt Brecht, que sabia disso, tomou a estrutura das fábulas antigas justamente para fissurar a realidade social e política capitalista, mas não utilizou animais, é o que se pode perceber na sua peça a A Santa Joana dos Matadouros, onde ele vai pegar uma personagem numa figura histórica, Joana Dark, para discutir a exploração do trabalhador, o idealismo cristão e a organização e desorganização dos trabalhadores. Como não leu ou não compreendeu Brecht, Serginho despencou no maior erro dos modernos que pretendem trabalhar com fábulas: a antropozoomorfização. A fabulação como fuga do real, infantilização da escrita, disseminando a moral burguesa/cristã/capitalista. Por isso ele não consegue passar nenhum humor criador de liberação, pois seu humor é reativo, interditado, uma vez que originado da dor.
Mas Serginho não está só. Uma voz o comanda e ele obedece. No entanto, esse caráter autoritário do regime de signos baseado na significância do signo significante rapidamente transita para um outro regime, o despótico, baseado na subjetividade. Não é à toa que ele pega como texto base a passagem bíblica da Arca de Noé, para não ter como escapar. A arca de Serginho nunca irá aportar. A subjetividade despótica fecha-se em si, tende ao buraco negro. Como um deus déspota e cruel, ele irá prender todos dentro de sua arca. Ninguém poderá escolher nem ao menos saltar ao mar. Pode-se dizer que a atual gestão municipal é como uma arca lacrada. O sub-secretário Sérgio é sobrinho do secretário Cyrino (pela proximidade da AFIN na época da escolha, pretendíamos que fosse ao menos Arminda Mourão), que por sua vez foi professor do prefeito Serafim no curso de direito da UNIP. Essas proximidades todas colocam em suspeição o preenchimento dos cargos públicos na Prefeitura de Manaus. No caso de Cyrino e Sérgio, tio e sobrinho, não acarretaria nepotismo?
Além de não compreender da potência natural dos animais, o texto de Serginho não tem a ver somente com uma tentativa prepotente frustrada de análise crítica da realidade escolar, ele institui com a força da subjetividade dura a impossibilidade de qualquer mudança. Seu texto não é a representação de nada; é a fabricação de uma realidade. Como diz Foucault nAs Palavras e as Coisas, “livre da relação, a representação pode se dar como pura apresentação”. O que a atual gestão de Serafim-Cyrino nos pode apresentar? Todos que tiverem alguma singularidade, que tentem escapar do modelo da educação mercadológica, devem ser bloqueados, eliminados. Nesse sentido, pode-se dizer que a gestão atual da Semed e, por extensão, também da Prefeitura de Manaus são piores do que as que passaram antes dessa, que se dizia como possível mudança. Aquelas operavam mais no autoritarismo (comandar, controlar), esta vai além e conjuga uma formação subjetiva despótica. Por isso uma resistência não passa somente pela destituição do Subsecretário, como querem muitos professores e até, eleitoreiramente, alguns vereadores. Não é somente transição de regimes de signos, é necessário liberar uma linha de criação para a oralidade maquínica daqueles (estudantes e educadores) que pensam de outro modo, por onde passa a educação como processual democrático liberador das potências ativas existenciais.
Diante disto, o Dr. Serginho escreveu porque se acredita um escritor. O filósofo Sartre diz em sua obra O que é a Literatura? que qualquer pessoa que foi alfabetizada é um escritor. Sartreanamente, o Dr. Serginho é um escritor: foi bem alfabetizado.
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