Adolescentes, irmãs, brigaram por dinheiro. Uma delas agride a outra com um pedaço de vidro. Conselheiro tutelar acredita que o caso é de polícia. Jornal sem fatos que gerem notícias vendáveis procura qualquer coisa que, bem espremida, pingue o sangue lucrativo nas bancas de jornal. Senso comum. Noticia a agressão. Para dar um verniz de seriedade, pede a opinião de uma psicóloga. Esta, carregada do senso comum e da confusão entre moralismo e psicologia que impregna as faculdades Manaus e Brasil afora, afirma em quadro que a questão da agressão passa pela falta de limites que os pais deveriam impor aos filhos.

AGENTE DA MORAL

A psicóloga entende a palavra limite como uma limitação moral, imposição de uma ordem social, imperativo que define (e limita) os corpos na sua expressividade coletiva. Apenas trabalha com as palavras na ordem em que foi inserida no senso comum da profissão. O psicólogo é constantemente dentro do seu campo de trabalho chamado a exercer seu ofício como se fora um agente da moral, um propagador da ordem que restabelecerá a tranqüilidade e a calma. Assim é na escola, onde o psicólogo atua com os alunos problemáticos para que possam se adequar às normas da instituição. Assim também o é, na maioria das vezes, na área clínica, onde os fluxos “anormais” que se expressam como sintoma são trabalhados de modo a se tornarem inócuos dizeres da ordem do capital. Inclusive no tocante aos investimentos sentimentais.

EXCESSO DE LIMITES: ESTRATÉGIA DISCIPLINAR

O que a companheira de profissão dos mais de 1500 psicólogos do Amazonas não conseguiu alcançar ainda, é que a palavra limite, no plano das relações sociais, tem íntima relação com outra, a disciplina. Ambas não devem ser tomadas como expressões da moral, mas como palavras que definem uma estratégia de Estado, através dos saberes e da subjetivação, que ao contrário do que pensam psicólogos, pedagogos, psicopedagogos e outras categorias que não saíram da moralidade inscrevem nos corpos uma limitação e um modo de ser extremamente limitado e pobre. Quais enunciados compõem o quadro existencial de uma família? E o chamado indivíduo: limitado no uso do seu corpo pela moral, pela igreja, pelas condições econômicas, pelos enunciados das chamadas ciências, pelo consumo, pela midiotização, pela educação amortizante, pelo entretenimento alheante, pelo trabalho estupidificado, todos limitadores da potência de existir das pessoas, o que se expressa pela violência aparente ou pela violentação institucional à qual se somam alguns indivíduos patologizados pelo excesso de limites ao existir que este modo de socialidade sustenta.

Assim, uma psicologia que não ouse investigar a genealogia desta moral, que continue a confundir-se e a tomar o efeito pela causa está fadada a reverberar essa mesma moral que captura os corpos e insere-os na ordem da limitação. Não se diferencia da linha policialesca do jornal, do conselheiro tutelar, da escola, da inexistência de uma comunalidade/afetividade onde este tipo de comportamento seja desnecessário.

 

5 thoughts on “A PSICOLOGIA, A MORAL E OS LIMITES

  1. Gostei! Finalmente alguém bota luz nesse estúpido discurso da imposicão de limites, discurso digno dos profissionais de psicologia que frequentam esses programas de TV que passam à tarde e deixam as pessoas mais “midiotizadas” (gostei de termo) do que já são. Ouço constantemente- nas filas de banco, do INPS, do caixa do supermercado, do ônibus – a maldita frase: “Isso é culpa dos pais , que não impõem limites”.
    Outra coisa: o texto é bem nietzschiano. O cara tá bem vivo, felizmente.

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